Nota de esclarecimento do Movimento dos Atingidos por Barragens sobre o
caso de desaparecimento da companheira Nilce de Souza Magalhães, a
"Nicinha", liderança do MAB em Rondônia.
Nilce de Souza Magalhães, mais conhecida como ‘Nicinha’, mãe de três filhas, vó de sete netos, pescadora e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Rondônia, lutava em defesa da vida, do rio e da floresta, era ribeirinha da beira do rio Madeira, de onde lutava para jamais sair.
Ela “desapareceu” no dia 7 de janeiro de 2016, depois de ser vista pela última vez na barraca de lona onde mora com seu companheiro, Nei, em um acampamento com outras famílias de pescadores atingidos pela Hidrelétrica de Jirau, na localidade chamada de “Velha Mutum Paraná”, na altura do km 871 da BR 364, sentido Porto Velho-Rio Branco.
Nicinha foi vista pela última vez por uma companheira de acampamento, quando estava cozinhando e lavando roupa em seu barraco, por volta do horário de 12 horas do dia 7 de janeiro. Algum tempo depois, a mesma vizinha sentiu um cheiro de queimado e foi até o barraco dela, a comida estava queimando, a máquina batendo e Nilce já não se encontrava no local.
As buscas pela polícia civil se iniciaram somente no dia 13 de janeiro, apenas foi encontrado no chão a correntinha que sempre usava em seu pescoço por uma equipe do Corpo de Bombeiros, próximo a sua barraca no chão e quebrada, o que pode indicar ter sido levada a força do local. Além disso, os documentos pessoais e a câmera também sumiram da residência, na qual continha materiais de denúncia.
Nicinha é conhecida na região pela luta no Movimento dos Atingidos por Barragens em defesa das populações atingidas denunciando as violações de direitos humanos cometidas pelo consorcio responsável pela Usina de Jirau, Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Filha de seringueiros que vieram da cidade de Xapuri, no Estado do Acre para Abunã (Porto Velho) em Rondônia, onde vivia há quase cinquenta anos até ser atingida pelo empreendimento. Nos primeiros anos da obra a pesca começou a ser seriamente comprometida, tornando a vida dos pescadores extremamente difícil. No ano de 2014 sua comunidade também foi atingida por uma grande cheia potencializada pelo reservatório da hidrelétrica que alagou as casas das famílias ribeirinhas, destruindo plantações, materiais de trabalhos, entre outros pertences.
Os diversos danos causados pelas hidrelétricas obrigaram Nicinha a se deslocar para “Velha Mutum”, junto a outros pescadores para tentar continuar a sobreviver do agroextrativismo, no local, não contam com acesso à água potável ou energia elétrica. O local à beira do rio Madeira e da BR 364, se trata de onde antes estava a comunidade de Mutum Paraná, que foi completamente removida para o preenchimento do reservatório da hidrelétrica de Jirau é considerado propriedade privada e os ribeirinhos são tratados como invasores no seu território.
O consórcio responsável pela Hidrelétrica de Jirau, Energia Sustentável do Brasil é formado pelas empresas GDF Suez-Tractebel com 40%, Mitsui com 20% e o grupo Eletrobrás com 40%, via Eletrosul e Chesf, cada uma com 20% das ações. A empresa Suez-Tractebel é considerada uma das mais violentas no mundo e no Brasil no tratamento às populações atingidas e ao meio ambiente. Em 2010 a Suez ganhou o prêmio de pior empresa do mundo no Public Eye Awards pela participação na construção da hidrelétrica de Jirau no rio Madeira, o maior afluente do rio Amazônas. O governo da França controla 36% das ações da transnacional GDF Suez-Tractebel. As empresas públicas do grupo Eletrobrás estatais pertencem ao Estado brasileiro, assim como o principal financiador da obra o banco público BNDES.
Além dos sérios impactos causados pela obra no Brasil, ela também atinge o território boliviano, o que foi ignorado nos estudos de impacto socioambientais, sendo objeto de ação na OEA ( Organização dos Estados Americanos). No plano brasileiro, uma série de ações civis púlicas, inúmeras condicionantes ambientais descumpridas.
Nilce realizou diversas denúncias ao longo desses anos, participando de audiências e manifestações públicas, entre as quais, apontou os graves impactos gerados à atividade pesqueira no rio Madeira, assim como o não cumprimento das condicionantes da licença do empreendimento que obrigam o consórcio a reparar a situação socioeconômica das famílias de pescadores afetados. As denúncias geraram dois inquéritos civis públicos que estão sendo realizados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual sobre a não realização do Programa de Apoio à Atividade Pesqueira e outro de caráter criminal, em função de manipulações de dados em relatórios de monitoramento da atividade pesqueira com o objetivo de não revelar tais impactos.
Também denunciou a existência de diversas áreas de floresta alagadas pelo reservatório da barragem, onde diversas espécies de árvores nativas encontram-se mortas, inclusive aquelas essenciais ao extrativismo como as castanheiras. Além da presença de madeiras ilegalmente enterradas, que estão contaminando a água e gerando a emissão de gases efeito estufa. Nicinha luta pelo direito das famílias alagadas de Abunã, sendo claramente uma liderança do movimento na defesa dos direitos humanos na região. Inclusive, após mesa de negociação com o governo federal, em dezembro de 2015, na qual Nicinha esteve presente, fora encaminhada uma comissão ampla do governo para realizar vistoria na região para apurar as denúncias de violações por parte da empresa.
Afirmamos que a criminalização dos movimentos sociais é uma mancha na história do processo democrático brasileiro, que muitas lideranças sociais vem sendo deslegitimadas e assassinadas, o estado de Rondônia tem um amplo histórico desse tipo de prática. Em âmbito nacional e internacional precisamos nos solidarizar e buscar a justiça, e a efetivação dos direitos humanos.
Sem justiça, não há caso encerrado! Águas para a vida, não para a morte!
Coordenação - MAB / Rondônia
Fuente: MAB
vìa:
http://www.biodiversidadla.org/Principal/Secciones/Noticias/Brasil_Nem_um_minuto_de_silencio_mas_toda_uma_vida_de_lutas
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