O governo brasileiro manifesta sua solidariedade ao povo palestino
ao redor do mundo;no entanto, mantém amplas relações com Israel.Thiago
Ávila analisa as relações político-militar e cultural com os sionistas.
Com mais de uma semana do início dos
ataques de Israel ao povo palestino e com ameaças reais de uma escalada
da agressão para os países vizinhos, vemos aumentar o número de pessoas
em nosso país lamentando à distância este conflito com profundas raízes
históricas.
Grande parte dessas lamentações são
acompanhadas de um grande sentimento de impotência, como se não
tivéssemos qualquer relação ou poder de influenciar o que acontece na
Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos territórios palestinos já tomados
por Israel.
Não é verdade.
Nós temos, sim, parte da
responsabilidade, assim como temos real possibilidade de influenciar nos
rumos da história daqueles povos. Eis o porquê:
1. Desde a década de 1990 o motor da
economia do estado sionista de Israel é o complexo industrial militar
(indústria de armas). Como bem retratado por Naomi Klein, jornalista
reconhecida internacionalmente, em seu livro “A Doutrina do Choque – A
ascensão do capitalismo de desastre”, 70% da produção de armas
israelenses são destinadas à exportação. Segundo a autora, Israel se
coloca hoje no mundo como "uma espécie de shopping center de tecnologias
de segurança nacional", utilizando de suas próprias guerras para
demonstrar a eficácia de seus produtos "testados em campo".
Para compreender isto basta lembrar a
guerra de 2006, na qual Israel não apenas massacrou o povo palestino,
mas também invadiu o Líbano (sendo derrotado pelo Hezbollah ao sul do
rio Litani) e, apesar da derrota militar, a economia israelense cresceu
significativamente (8%). A guerra realmente é um grande negócio para
Israel e para a economia capitalista. O Brasil, que ocupa militarmente o
Haiti (e lá comete grandes atrocidades) e que consome armas dos países
que violam os direitos humanos ao redor do mundo, não é inocente nesta
história.
2. O governo brasileiro faz propaganda
ao redor do mundo manifestando sua solidariedade ao povo palestino; no
entanto, mantém amplas relações com Israel.
Se alguns países expulsaram embaixadores
e realizam boicotes ao estado sionista após a guerra de 2006, onde
Israel utilizou armas proibidas pela ONU como o "fósforo branco", o
Brasil fez exatamente o contrário: intermediou e assinou um Acordo de
Livre Comércio entre Israel e o Mercosul, aumentando nossa cumplicidade
com os crimes de lesa-humanidade cometidos por este país.
Enquanto os refugiados palestinos aqui
no país (utilizados como moeda de troca pela diplomacia brasileira) são
tratados com inegável descaso, o Brasil fortalece a cada dia acordos
comerciais e militares com o Estado sionista. Para os palestinos uma
solidariedade institucional baseada em vazios discursos de presidentes e
assistencialismo panfletário enquanto, para Israel, acordos comerciais e
militares significativos e a compra de equipamentos de guerra testados
no povo palestino.
De que lado o Brasil está?
3. Entre todas as aquisições brasileiras
da indústria bélica israelense, uma ocupa lugar de destaque: um drone
(veículo aéreo não-tripulado) de R$ 18 milhões fabricado pela Elbit
Systems. É importante ressaltar que não se trata de qualquer empresa. A
fabricante do drone é uma das 12 empresas que participaram da construção
do Muro da Vergonha, que mantém a população da Faixa de Gaza em uma
prisão sem teto e caracteriza um dos maiores crimes de lesa-humanidade
de nossos tempos.
A compra do equipamento não foi um
incidente excepcional, pois recentemente a mesma empresa ganhou dois
contratos milionários com o Exército Brasileiro através de sua
subsidiária, a Ares Aeroespacial. A participação desta empresa na
construção do Muro da Vergonha não é um fato desconhecido pelo governo
brasileiro, pois esta informação consta no próprio portfólio de
apresentação e em todos os relatórios de investidores da empresa. O que
são poucas declarações de solidariedade ao povo palestino perto disso?
4. O Governo do Estado do Rio de
Janeiro também ocupa posição de destaque, tendo comprado de Israel oito
caveirões blindados, usados pelo Batalhão de Operações Policiais
Especiais (Bope) em suas operações nas favelas cariocas. Isto significa
que, além de promover o extermínio da juventude pobre e negra em nosso
país, o governo do Rio de Janeiro também fornece recursos para que
Israel possa aumentar as agressões aos palestinos.
O Estado de São Paulo também não sai
ileso, tendo comprado óculos com microcâmeras para coleta de vídeos em
tempo real nas ações de repressão às manifestações populares,
principalmente neste período que antecedeu a Copa do Mundo. Além do
governo brasileiro, das empreiteiras, da FIFA e dos patrocinadores
oficiais, o "negócio da guerra" também deve ser colocado como um dos
poucos beneficiados por este megaevento e este "modelo de
desenvolvimento" que causa crises sociais de grandes proporções aqui e
no resto do mundo. Os governos hoje se gabam do grande legado de
segurança pública que esta Copa nos deixou. Mas a que custo?
5. Parte da estratégia em todo genocídio
é invisibilizar a população agredida; portanto, o lobby israelense faz
de tudo para impedir que qualquer notícia que traga comoção
internacional e solidariedade ao povo palestino seja veiculada na grande
imprensa.
Basta assistir a uma notícia do Jornal
Nacional para entender: "Israel responde aos mísseis atirados por
terroristas do Hamas", ou "Tel-Aviv vive momentos de pânico com mais um
alerta de míssil e interrompe uma cerimônia de casamento". Quase nada se
fala das centenas de mortos e milhares de feridos palestinos. Os
grandes veículos de comunicação brasileiros são coniventes com o
massacre e as mídias alternativas são o único local de difusão destas
tristes imagens que o mundo, infelizmente, precisa conhecer para que
parem de acontecer cotidianamente.
Lembrem-se sempre que a Guerra do Vietnã
só foi interrompida após a opinião pública ver tantas imagens fortes a
ponto de se voltar contra os Estados Unidos exigindo o fim da guerra.
Depois de lá, a grande imprensa nunca mais cobriu uma guerra mostrando
seu lado mais triste e mais brutal. É sempre uma cobertura que ressalta a
tecnologia, as declarações de chefes de Estado, ou até escombros à
distância.
Pense nisso cada vez que você censurar
um amigo nas redes sociais por postar fotos duras de cadáveres ou
feridos adultos e crianças. O que, para você, é uma imagem feia e
triste, para muitas pessoas pode ser também o alerta que as faça
reconhecer uma situação grave de violação e agir em prol da paz com
justiça social ao redor do mundo.
6. Diante da incapacidade da ONU e da
comunidade internacional em frear as agressões israelenses, cidadãos e
nações do mundo estão respondendo ao chamado do povo palestino feito em
2005 pedindo o boicote a Israel. E este boicote, que envolve o
não-consumo, desinvestimento e sanções está surtindo efeitos, com
grandes fundos de pensão europeus anunciando o desinvestimento em Israel
e cada vez mais pessoas ao redor do mundo se somando a esta iniciativa.
Para quem acredita que esta ferramenta
não é capaz de realizar mudanças, basta lembrar o caso da África do Sul,
onde o boicote mundial, aliado à intensa mobilização interna e diversas
ações internacionalistas neste país e em países vizinhos, foi
fundamental para a queda formal do apartheid. Assim como no passado,
hoje temos uma possibilidade real de frear o sionismo israelense.
É dever de toda e qualquer pessoa que
deseja a paz para o povo palestino se integrar ao boicote multitemático a
este país (econômico, cultural, esportivo) e, principalmente, exigir
dos governos de seus países o fim de todos os acordos militares e
comerciais com Israel. Nós, brasileiros e brasileiras que lutamos tão
arduamente contra as violações em nosso país, não podemos nos calar
diante do massacre ao povo palestino, sob pena de não apenas carregarmos
o fardo de termos hesitado em um momento onde tínhamos a real
possibilidade de promover a paz, mas também sabermos que fomos cúmplices
de toda esta matança ao povo palestino que entrará para a história como
um dos mais tristes momentos de nossa breve passagem pela Terra.
Não é deste lado da história que queremos estar.
Thiago Ávila é consultor internacional e membro do Comitê Popular da Copa do Distrito Federal.
via:
http://www.kaosenlared.net/component/k2/92755-somos-respons%C3%A1veis-pelo-massacre-em-gaza-motivos
No hay comentarios:
Publicar un comentario