Brasil: Às vésperas da Copa, regulamentação da prostituição ainda divide opiniões ...Najla Passos
Para o
deputado Jean Willys, manter a marginalização estatal é continuar
submetendo toda uma classe profissional a riscos desnecessários.
Najla Passos
Brasília - Às vésperas da Copa do Mundo, o debate sobre a
regulamentação da prostituição ainda suscita debates acalorados e divide
opiniões. O projeto de lei 4.211/2012, a chamada “Lei Gabriela Leite”,
apresentado pelo deputado Jean Willys (PSOL-RJ) com a justificativa de
preparar o país para o mundial continua emperrado na Câmara, e enfrenta
forte oposição não só do campo conservador, mas também de organizações
feministas de esquerda, ligadas ou não a partidos políticos mais
progressistas.
O PT, por exemplo, orientou seus parlamentares a
não expressarem posição pública sobre o projeto até que o tema seja
amplamente discutido nos seus coletivos de mulheres, o que ainda não
ocorreu. Mas movimentos feministas com ligações históricas com o
partido, como o Coletivo de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores,
já expressaram posição pública contrária. O mesmo ocorre com o
Movimento Mulheres em Luta (MML), filiado à central sindical Conlutas,
ligada ao PSTU.
No geral, enquanto os entusiastas defendem que a
regulamentação vai permitir maior fiscalização da atividade, coibindo
casos de violência e de prática de exploração sexual, os críticos
advogam que a aprovação do projeto vai instituicionalizar de vez a
apropriação do corpo feminino pelo mercado, aprofundando as relações de
desigualdade de classe, gênero e raça.
A Lei “Gabriela Leite”
De
acordo com o PL 4.211/2012, é considerado profissional do sexo toda
pessoa maior de 18 anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta
serviços sexuais mediante remuneração. A proposta é assegurar mais
direitos ao seguimento, como o direito à aposentadoria especial de 25
anos, visto que, atualmente, no país, a prostituição já é reconhecida
como atividade pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A
polêmica explode porque o PL também legaliza a atuação do agente
intermediário, o popular “cafetão”, e das casas de prostituição, hoje
criminalizadas pelo Código Penal. A proposta dá, ainda, uma definição
precisa à “exploração sexual” que, conforme o texto, ocorrerá apenas
quando houver apropriação total ou maior que 50% do rendimento da
prestação de serviço sexual por terceiro, o não pagamento pelo serviço
sexual contratado e a prática de prostituição mediante grave ameaça ou
violência.
Para a coordenadora-geral da Associação das
Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), Maria Aparecida Menezes Vieira, o
PL reconhece os profissionais do sexo como sujeitos, sem a visão
preconceituosa e moralista que permeia a construção social da imagem da
prostituta, segregada a invisibilidade social. “Nós enfrentamos a
oposição tanto dos religiosos quanto dos movimentos feministas
abolicionistas, que não conseguem nos ver como sujeito de direito, em
função de preconceitos e mitos do passado”, avalia.
Segundo ela, a
proposta foi construída com a participação da representação nacional da
Rede Mundial de Mulheres e, portanto, tem o apoio efetivo da categoria.
Maria Aparecida acrescenta que a estimativa é que, só no estado de
Minas Gerais, que ela conhece bem, atuam 500 mil prostitutas, assumidas
ou não. “Hoje, nós não podemos nem denunciar uma ocorrência à Polícia,
como fazem, por exemplo, os taxistas. Por isso, o projeto é importante
para nos dar mais segurança e dar maior visibilidade aos casos de
violência”, argumenta.
A defesa do PL 4211
O autor
da proposta, o deputado Jean Willys, lembra que ha diferentes correntes
ideológicas dentro da esquerda ao analisar a polêmica. “É natural que
algumas destas correntes não concordem com o meu projeto, em especial as
correntes que se fundam no abolicionismo, enquanto outras, que se
fundam sobre a ideia da primazia à liberdade e da não marginalização sob
hipótese alguma, apoiem totalmente a Lei Gabriela Leite”, disse à Carta
Maior.
Segundo ele, é importante olhar para além do campo
ideológico e entender as implicações de determinado posicionamento.
“Manter a marginalização estatal é continuar submetendo toda uma classe
profissional a riscos desnecessários, como a exploração sexual e o
tráfico humano, a partir do mesmo argumento proibicionista de uma
direita reacionária, que age a todo tempo para tutelar cada liberdade
individual que não lhe interesse ou que sirva aos grupos historicamente
difamados, como são as prostitutas. Regulamentar a atividade dos e das
profissionais do sexo é tão somente uma forma de garantir condições de
trabalho dignas, seguras e fiscalizáveis”, defende.
O deputado
também contesta as críticas de que seu projeto estimula à exploração
sexual, ao permitir a atuação de terceiros, sejam particulares ou casas
de prostituição, desde que não retenham mais de 50% do valor do
programa. “O projeto não estimula e muito menos permite a exploração
sexual, e esta diferenciação precisa ficar muito clara. O que o projeto
faz é regulamentar o que é uma prática para garantir o direito dos e das
profissionais do sexo nesta relação com donos das casas de prostituição
ou agentes que intermediam a atividade. Hoje, sem regulamentação
alguma, o dono da casa ou o agente podem se apropriar de muito mais que
os 50%, e isto sim configura a exploração sexual”, rebate.
Segundo
Willys, o que o projeto faz é justamente estabelecer um teto para que,
nos casos em que a mediação já ocorra, não exista a apropriação da maior
parte do valor apurado. “Há inúmeros casos em que isto não ocorre: há
casos em que o aluguel é dividido, sem que exista apropriação do valor
do programa, e há casos em que a casa de prostituição lucra apenas com o
valor da entrada, da consumação, e do aluguel dos quartos. Há casos em
que o agente arca com todos os valores de publicidade, aluguel do
espaço, manutenção, limpeza e segurança, e cobra um percentual sobre
cada valor apurado. A escolha por cada caso é do e da profissional, uma
escolha livre, sem coação ou ameaça. E a regulamentação garantirá que
isto ocorra de forma fiscalizável, com a possibilidade de acessar à
justiça nos casos de abuso, da mesma forma como ocorre em diversas
categorias profissionais que contam com a segurança jurídica da
regulamentação”, esclarece ele.
Tal como a coordenadora da
Aprosmig, o deputado defende que aprovar o projeto é reconhecer o
profissional do sexo como trabalhador e sujeito. “Nada disto foi
inventado por mim. As próprias prostitutas organizadas foram as
protagonistas da construção dos seus direitos, algo que a esquerda tanto
preza, mas que alguns setores acabam por desprezar quando se trata do
direito das prostitutas. Elas, a partir do consenso, estabeleceram este
repasse e o seu limite percentual a partir do que elas entendem como
justo, e não podem ser simplesmente ignoradas. É preciso que os setores
que se opõem estejam abertos à discussão honesta, entendendo que as
prostitutas também são mulheres trabalhadoras. E isto passa, claro, pela
questão da construção dos direitos, da igualdade e da não exploração”,
argumenta.
As críticas à regulamentação
A
ativista Pola Karlinski, da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), tem
posição diametralmente oposta. “A MMM não é só contra o PL do Deputado
Jean Wyllys, mas contra qualquer proposta de regulamentação da
prostituição como alternativa para mudar a realidade das mulheres que se
prostituem. Ao mesmo tempo em que somos solidárias com as prostitutas,
lutamos para superar a prostituição por meio da oferta de políticas
públicas que construam alternativas reais para essas mulheres. Falo em
mulheres porque elas são maioria das profissionais do sexo ao redor do
mundo, enquanto os homens são maioria entre os clientes, os cafetões e
aqueles que lucram com a exploração dos corpos das mulheres. Para a MMM,
independente da apropriação dos lucros por terceiros, a prostituição
sempre será uma forma de exploração e opressão para quem se prostitui,
pois não há perspectiva de reciprocidade nessa relação. Quem se
prostitui se submete ao desejo do outro, diferente do que deveria
ocorrer numa relação sexual livre”, argumenta.
Segundo ela, as
críticas ao projeto de Willys se baseiam todas elas nestes fundamentos.
“As propostas contidas no PL 4.211/2012 beneficiam as casas de
prostituição e legitimam a cafetinagem. Afinal, apesar de dizer que a
remuneração deverá ser direta ao profissional, quem seria essa "figura"
que poderia apropriar-se de até 50% dos lucros do programa sem que isso
fosse considerado exploração?”, questiona.
Pola avalia que, além
da porcentagem bastante vantajosa para quem se apropria dela e nem um
pouco atrativa para quem se prostitui, o problema vai além da questão
financeira. “A exploração sexual, o tráfico de mulheres e a prostituição
fazem parte de uma mesma rede que opera internacionalmente, com rotas
definidas e conhecidas, e que movimenta lucros astronômicos. E o PL
4.211/2012 propõe separar, no Código Penal, o que seria prostituição e o
que seria exploração sexual, chegando a considerar ‘solidária’ a
‘facilitação de deslocamento’ dos profissionais”, denuncia.
Ainda
conforme a militante, é preciso considerar ainda que, no Brasil, a
questão da prostituição é um problema social muito mais complexo do que
em outros países, porque envolve não só a questão de gênero e classe,
mas também a de raça. “No Brasil, a prostituição também tem cor e
classe, sendo a maioria das prostitutas pobres e negras. Ou seja, é uma
questão social muito mais grave e profundamente enraizada”, acrescenta.
Para
ela, as mulheres que se prostituem para sobreviver normalmente têm um
histórico de vulnerabilidade social e econômica, violência e rompimento
de vínculos familiares, bem diferente da imagem ‘glamourizada’ das
prostitutas dos filmes e das novelas. “Por isso, não aceitamos a
afirmação de que a prostituição é uma escolha livre e autônoma. Pode até
ser uma escolha, para um número mínimo de mulheres, mas não é para a
maioria. E não tem nada a ver com a defesa feminista da liberdade
sexual”, acrescenta.
Uma leitura sobre experiências internacionais
A
ativista visita as experiências internacionais, muitas delas
construídas exatamente para a realização de eventos esportivos como a
Copa do Mundo, para ressaltar que os resultados não são favoráveis às
mulheres. “Experiências de outros países comprovam que a regulamentação
só beneficiou os clientes e exploradores, criando bairros e guetos
exclusivos, mantendo a marginalização social da prática e aumentando o
controle sobre as prostitutas” afirma.
Ela lembra que, na
Alemanha, onde a prostituição foi regulamentada em 2002 “para a Copa do
Mundo da FIFA”, as estatísticas apontam para um grande aumento da
prostituição e, inclusive, do tráfico de mulheres provenientes do leste
europeu, da África e da América do Sul. “Dois terços das estimadas 400
mil trabalhadoras do sexo na Alemanha são estrangeiras”, revela.
Pola
acrescenta que, na África do Sul, onde a prostituição foi liberada
apenas durante a Copa do Mundo de 2010, as prostitutas africanas foram
convencidas a lutar pela regulamentação, achando que poderiam aumentar
seus lucros, mas os clientes europeus recusaram seus corpos. “Com medo
da AIDS e de outras doenças, importaram prostitutas do leste europeu e
alijaram as africanas de qualquer benefício que a regulamentação
momentânea de sua ocupação poderia lhes dar. Ou seja, a regulamentação é
sempre em função de quem consome o serviço, nunca de quem presta”,
ressalta.
Como experiência internacional positiva, ela cita a
cubana que, a exemplo da Suécia, criminalizou clientes e cafetões,
criando uma rede de apoio às mulheres em situação de prostituição para
acessar alternativas econômicas.
vía:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/as-vesperas-da-Copa-regulamentacao-da-prostituicao-ainda-divide-opinioes/4/31078
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