lunes, 5 de agosto de 2013

Brasil: Anotações sobre lucro de bancos e vandalismo...Paulo Kliass

A lucratividade dos bancos tende a aumentar à medida que seus clientes apresentam dívidas e saldos devedores. Assim, o comportamento de tais instituições, que operam com recursos de terceiros, é de estimular ao máximo os indivíduos e as empresas a permanecerem no limite da insolvência, mas sempre lhes rendendo o máximo por seu saldo bancário estar negativo.


Em geral, os resultados econômico-financeiros da contabilidade das empresas são apurados e divulgados ao final de cada trimestre. Mas os anúncios mais aguardados mesmo são aqueles relativos aos dados consolidados a cada seis meses. E agora, aos poucos, começam a ser publicadas as informações referentes ao desempenho dos negócios no período janeiro a junho de 2013.

Mais uma vez os números da performance semestral dos bancos chegam para estraçalhar qualquer pessoa ou instituição minimamente informada a respeito da realidade social e econômica de nosso País. Um verdadeiro acinte! Instituições parasitas, que nada produzem em termos reais e concretos faturam cifras da ordem do inimaginável. A conjuntura econômica está meio incerta, as taxas de crescimento oscilam, alguns setores reduzem o ritmo de admissão, outros começam até mesmo a demitir empregados. Mas os bancos estão como sempre: firmes e fortes! Lucrando muito mais do que todos e, ainda por cima, também demitindo seus empregados.

Mais uma vez, a enormidade dos lucros dos bancos
Os primeiros a divulgarem seus resultados foram o Itaú-Unibanco, o Bradesco e o Santander. O lucro líquido de cada um deles para o primeiro semestre foi, respectivamente, de R$ 7,1 bilhões, R$ 5,9 bi e R$ 2,9 bi. Trata-se de instituições financeiras privadas, que distribuem seus lucros entre acionistas, proprietários e demais dirigentes. No caso do multinacional espanhol, o detalhe é que a porção tupiniquim responde por 25% dos ganhos do conglomerado em escala planetária. É a filial brasileira segurando a peteca e amenizando os impactos da crise mundial no grupo.

Ao longo de todo o ano de 2012, essas mesmas 3 instituições privadas do financismo já haviam realizado um lucro líquido total de R$ 28 bi. Ou seja, mesmo depois de todo o pente fino contábil - realizado pelo ramo especializado chamado eufemisticamente de “planejamento tributário” – os poderosos dos bancos embolsaram esse volume mastodôntico de recursos gerados em nossa economia, produzidos por nossos cidadãos.

Como é amplamente sabido e conhecido, os bancos no Brasil operam há décadas em ambiente propício à acumulação de capital sem muito esforço empresarial. Basta emprestar recursos ao Estado rolar sua dívida pública e receber juros dignos de campeão do mundo por esse tipo de operação. E na outra ponta oferecer recursos sob a forma de crédito e empréstimo a empresas e famílias, com taxas de juros e “spreads” também elevadíssimos. Pronto! Não há segredo! Basta esperar o cofre encher, uma vez que a estrutura do mercado oligopolizado e a complacência do órgão regulador fiscalizador são as garantias de ganhos contínuos, seguros e estrondosos.

Bancos e desigualdade socioeconômica
Apesar da divulgação recente dos dados relativos à melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), continuamos a ocupar posição de destaque no quesito “desigualdade social e econômica” no mundo contemporâneo, com nosso elevado grau de concentração da renda e da riqueza. E depois os órgãos de comunicação ainda vêm estampar com destaque as cenas de maior impacto nas manifestações, quando alguns grupos de jovens escolhem, a dedo, as agências dos bancos privados para ali descarregarem seu ódio e seu inconformismo com a injustiça e a desigualdade reinantes. Compreendo a reação de muitos que não concordam com esse tipo de depredação. “Vândalos!”, acusam, fazendo eco com a grande imprensa. Apesar de não eu considerar essa forma a mais adequada para lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, acho que devemos refletir, sem preconceito, a respeito das razões que têm levado a tal tipo de atitude.

Pois bem, então vamos ao dicionário:

vandalismo: “ato ou efeito de produzir estrago ou destruição de monumentos ou quaisquer bens públicos ou particulares, de atacar coisas belas ou valiosas, com o propósito de arruiná-las”.

O elemento simbólico que as instituições financeiras encerram é o da segregação e da inacessibilidade. Por mais que a circulação dos recursos monetários sob a forma de cédula tenha diminuído de forma significativa ao longo dos últimos anos, os bancos ostentam a expressão do dinheiro e do poder. É fato que dependemos do meio de circulação dinheiro para sobrevivermos na desordem social capitalista atual, mas quase não usamos mais o dinheiro em espécie. Isso significa que estamos completamente dependentes das instituições do sistema financeiro em nosso dia-a-dia.

A ação dos bancos em nossa sociedade se assemelha muito ao que define o Houaiss. Eles produzem grandes estragos em nosso patrimônio público e destroem muitos bens particulares. Basta pensar que quase a metade do Orçamento da União se destina a despesas com juros e serviços de rolagem da dívida pública. E os principais agentes beneficiários desse processo são as instituições do financismo. Com a política do superávit primário, a banca recebe tudo aquilo que o Estado deixa de gastar com saúde, educação, previdência e demais obrigações de natureza social. Há pouco tempo, o poderoso “lobby” patrocinado pela FEBRABAN conseguiu influenciar o Executivo e o Legislativo, aprovando uma série de mudanças na chamada Lei das Falências. Com isso, lograram introduzir dispositivos no texto qualificando as instituições financeiras como agentes credores prioritários em situações falimentares, à frente mesmo das dívidas trabalhistas e tributárias. Nada mais exemplar no que se refere a atacar coisas valiosas e arruiná-las.

Ação dos bancos: escandalosa e vergonhosa
Muitas pessoas condenavam os chamados “excessos” das manifestações realizadas em junho e julho. Eram mobilizações completamente inovadoras, na forma e no conteúdo. E que têm se pautado um pouco na linha de movimentos de além-mar, como “¡que se vayan todos!”, “¡indignados!” e “occupy Wall Street”. Esse sentimento dos 99% contra 1% identificava nos bancos a concretização da desigualdade. Nesse caso, a magnitude da opulência termina por se transformar no caldo de cultura para a violência. A ação provocadora dos agentes infiltrados e a repressão policial absurda operam como fagulha no combustível. E os que não concordavam com os atos mais violentos perpetrados contra as agências vazias, bradavam condenando os manifestantes: “Escândalo! Vergonha!”.

E aqui voltemos à busca da definição no dicionário:

escandaloso: “que serve de mau exemplo; que não tem decoro, decência; vergonhoso; deplorável”.

Ora, poucos elementos da nossa forma brasileira de organização em sociedade são mais característicos de algo “escandaloso” do que os bancos.

Definitivamente, não podem ser considerados como um bom exemplo de ação empresarial. A atitude dos bancos perante seus clientes - sejam indivíduos ou empresas - é tudo aquilo que se pode qualificar como indecorosa. Contando com a colaboração explícita das autoridades, em determinados momentos, ou apenas com a postura passiva dos órgãos reguladores, em outros casos, o fato é que o comportamento das instituições financeiras se enquadra bem no espírito da impunidade que caracteriza nosso jeito de ser e nosso ambiente sócio-cultural. Os bancos tudo podem e ponto final! Quem não estiver de acordo, que vá reclamar com o bispo!

As taxas e as tarifas que os bancos cobram de seus clientes ultrapassam em muito os limites da decência. Além dos “spreads” enormes, a banca fatura uma enormidade com as cobranças embutidas nos preços dos serviços que presta. A realidade é que as chamadas “facilidades da vida moderna” criam hábitos e generalizam procedimentos dos quais os bancos muito se beneficiam. Assim, por exemplo, são pouquíssimos os comerciantes que ainda resistem bravamente à utilização de cartões para pagamento de despesas em seus estabelecimentos. São obrigados a optar pela perda de parte da clientela, caso se recusem a pagar as taxas e aluguéis escorchantes cobrados pelas operações com a “maquininha”. Os salários e remunerações são creditados em conta corrente. E dá-lhe cartão transporte, cartão para refeições, cartão para compras no comércio, cartão de telefone celular e outros.

Depois do movimento iniciado pela Presidenta Dilma de redução da taxa SELIC em 2011, a fonte segura de ganhos dos bancos foi um tanto ameaçada.

Assim, entrou em operação uma estratégia de fortalecimento de outros meios de arrecadação de suas receitas. Os funcionários passaram a ser mais exigidos em suas investidas para “vender” produtos bancários correlatos, como seguros, títulos de capitalização, empréstimos, consórcios, cartões de crédito e outros itens que só comprometiam ainda mais a já frágil capacidade financeira dos indivíduos, empresas e famílias. Esse tipo de conduta passou a ser prática corrente inclusive nos bancos públicos. Essa investida terminou por aprofundar os riscos das operações de crédito no seu conjunto e agora começam a surgir os primeiros sinais inquietantes relativos aos elevados índices de inadimplência. Não há nada mais deplorável e vergonhoso do que ficar empurrando goela abaixo de pessoas e empresas esse tipo de mercadoria, a título de uma suposta contrapartida para um bom atendimento.

A lucratividade dos bancos tende a aumentar à medida que seus clientes apresentam dívidas e saldos devedores. Assim, o comportamento de tais instituições, que operam com recursos de terceiros, é de estimular ao máximo os indivíduos e as empresas a permanecerem no limite da insolvência, mas sempre lhes rendendo o máximo por seu saldo bancário estar negativo. Afinal, essa é a regra do jogo. Ora, quando assistimos a uma cena de um estabelecimento com seus vidros quebrados, alguém certamente vai logo reclamar: “mas estão espoliando o banco!”

Uma rápida consulta à nossa coleção de verbetes:

espoliação: “ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violência; esbulho”.

Pois bem, um fenômeno que ganhou escala assustadora ao longo da última década foi o crescimento exponencial do chamado crédito consignado. O processo de incorporação de parcelas expressivas de nossa população a condição mínimas de cidadania foi acompanhado da chamada “inclusão bancária”. Ela veio no pacote mais amplo da inclusão social e da inclusão digital. Afinal, até os benefícios de bolsa família e da previdência social são vinculados a uma conta em instituição financeira. A esse potencial de recursos disponíveis, some-se o processo de proximidade a bens de consumo antes inacessíveis. O resultado foi o comprometimento quase absoluto dos limites de crédito por parte de pessoas que não tinham a menor familiaridade com as práticas do universo financeiro. Os chamados “consultores” dos bancos, ao invés de alertar para os riscos, são orientados a estimular o endividamento.

Uma verdadeira operação de fraude, por meio de violência velada, que vai terminar por privar famílias inteiras de algo que lhes pertence. Todos conhecemos as cenas tristemente famosas das operações de cobrança judicial de haveres financeiros não cumpridos. Esse, sim, o verdadeiro sentido da espoliação.

Banco: simbiose entre poder e dinheiro
Enfim, é por essas e muitas outras razões que se vê tanto ódio na juventude ao passar diante de uma agência bancária. Ela sintetiza simbolicamente tudo aquilo contra o que a sociedade tem se revoltado nesses últimos tempos, disputando a posição com a violência perpetrada pelas PMs pelo Brasil afora. O banco é a simbiose perfeita entre o poder e o dinheiro. E no seu rastro vem o repúdio ao sistema político hegemônico. “Tudo isso que está aí!”. “Não nos representam!”

O sistema financeiro, por suas próprias características, exige alto grau de fiscalização, controle e regulamentação para operar de forma adequada e não exploradora. E apenas o Estado pode cumprir esse tipo de papel, para evitar que um punhado de instituições continue a provocar tamanho prejuízo à maioria da sociedade, aprofundando o ainda vergonhoso patamar de desigualdades sociais e econômicas. Não se trata de retroceder a tempos anteriores ao avanço tecnológico, que deveria propiciar melhor qualidade de vida aos cidadãos. É possível construir um modelo onde a convivência de bancos públicos e privados cumpram essa função de intermediação, mas pautados pela ética e pelo compromisso com o bem comum. Sistema financeiro, sim. Mas sem vandalismo!

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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