lunes, 12 de agosto de 2013

Brasil: O presente e o futuro das jornadas de junho...Henrique Costa

A melhoria do transporte público está na pauta e está muito mais difundida a ideia de que ele deve ser priorizado em detrimento do transporte individual. Resta saber como se comportará o subproletariado, que se não participou de maneira relevante nos protestos, o apoiou. Este é o fiel da balança para o próximo período.

 

 Em junho deste ano, a presidente Dilma Rousseff veio duas vezes a público, alertada por duas semanas de mobilizações intensas e históricas no país, para reiterar a posição oficial do governo federal e apontar medidas. Muita água passou por debaixo da ponte desde então, entre as propostas de constituinte exclusiva para uma reforma política – eleitoral, mais especificamente –, e o plebiscito sobre o mesmo tema, que agoniza ante a indisposição do Congresso Nacional. Em seus discursos, tentou acenar para dois setores distintos da sociedade brasileira. Um, a classe média tradicional que surgiu com força nas manifestações; outro, as classes baixas, maiores beneficiárias das políticas implementadas pelo seu governo e pelo ex-presidente Lula.

Para o primeiro, caracterizado pela mídia por atos ordeiros e “contra tudo o que está aí”, as promessas de reforma política e tolerância zero com os “arruaceiros”. Para o segundo, a melhora nos serviços públicos. A postura do governo petista, adornado pelos indispensáveis marqueteiros, busca estar afinado com a mídia e, ao mesmo tempo, com sua principal base eleitoral. A condenação dos “baderneiros” e “vândalos” serve para ambos os propósitos. Sobre os casos de violência policial extrema vistos nas últimas semanas, Dilma, militante de grupos armados durante a ditadura militar e torturada por seus agentes, nada tinha a dizer.

É preciso olhar para a totalidade das manifestações, assim como da conjuntura do país. É da natureza do comportamento de massas que ele seja incontrolável, quando muitos, inclusive oportunistas, se põem lado a lado. Faz parte, contudo, da disputa pela narrativa do momento.

Na manifestação da segunda-feira, 17 de junho, enquanto jovens de periferia se atracavam com outros de classe média na estação Berrini, estes condenavam os primeiros por incitarem a passagem gratuita pelas catracas, o “pula catraca”. Curiosamente, em um movimento que nasceu tendo como uma de suas bandeiras a tarifa zero do Movimento Passe Livre (MPL), a desobediência civil era rechaçada pelos demais aos gritos de “sem vandalismo”.

Perspectivas diferentes moveram a diversidade presente nas manifestações. Menos até em relação às pautas e mais em relação aos métodos. Pesquisa do Datafolha durante os protestos indicou que a maioria dos participantes identificava questões relacionadas à qualidade dos transportes públicos como o principal motivação para a participação. Também a corrupção era citada, o que, por si só, não pode ser desconsiderado, mas sim avaliado dentro do funcionamento atual das instituições, longe da normalidade desejada pela maioria.

As ocorrências da quinta-feira, 20 de junho, que resultaram na expulsão dos partidos políticos da manifestação, levaram a análises precipitadas, sobretudo por parte do Partido dos Trabalhadores. Vendo-se como um dos principais alvos dos protestos – o que seria até natural, já que comanda o país – a cúpula do PT primeiro se estarreceu, depois tentou retomar de forma primária a vanguarda do processo e, quando rechaçado, procurou desqualificar o movimento. De “movimento de classe média” ao fascismo, alguns de seus ideólogos sugeriram um golpe contra o “legado” de Lula e Dilma.

Não se trata aqui de discutir acertos e erros dos governos petistas. Resumindo, conformou-se no país um processo de mudança estrutural lento, voltado especialmente para as classes baixas, como analisou o cientista político André Singer. Mudança gradual com manutenção da ordem, o que implica em concessões aos setores conservadores (ruralistas, evangélicos). Em seus pronunciamentos, Dilma renovou suas expectativas quanto aos “pactos”, sustentáculo da conciliação proposta desde Lula.

Parece haver uma grande confusão aqui. Se a pauta de alguns meios de comunicação é conservadora, atribuir esse conteúdo às manifestações é alienar ainda mais o partido de uma base que, em parte, já foi sua. Pesquisa feita pelo Instituto Innovare com manifestantes em Belo Horizonte no dia 22 de junho, revelou que 40% deles votou em Dilma nas últimas eleições. Apesar da escolaridade alta, metade deles tem renda familiar abaixo de 5 salários mínimos. Quem se beneficiará deste cenário ainda não é aposta certeira, mas no “recorte” de classe, Marina Silva se destaca entre as camadas médias. Não por acaso, ela é a única presidenciável a subir ininterruptamente em intenções de voto desde então.

É evidente que, em manifestações do porte que vimos, a maioria dos participantes nunca tenha tido contato com princípios da política triviais para militantes e acadêmicos. De acordo com pesquisa Ibope divulgada no dia 23, 46% deles nunca tinham ido às ruas. São pautas difusas que, por influência da classe média tradicional e da mídia, acabaram canalizadas para conteúdos morais. Estigmatizá-los, no entanto, é um erro. Matérias na imprensa demonstraram que militantes de extrema-direita organizados agiam com o intuito deliberado de agredir partidários da esquerda. Na sequência, eram eles quem puxavam as palavras de ordem para uma massa que, com razão, está cansada da política tradicional.

O filósofo Paulo Arantes, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, acredita que uma parte dessa mobilização talvez tenha a ver com “pessoas arrastadas pelo novo assalariamento vulnerável, que estão ralando e padecendo e, no entanto, engajadas em duas frentes, a do trabalho que ninguém gosta de ver estropiado por chefias despóticas e avaliações espúrias e a do senso do vínculo social a ser reconquistado que decorre dessas engrenagens desenhadas para infligir sofrimento.”

Há algumas semanas, a professora Maria Sylvia Carvalho Franco publicou na Folha de S. Paulo artigo de grande valia em que afirma que os atuais movimentos de protesto que acontecem no Brasil desde junho não se devem apenas a demandas econômicas, sociais ou políticas, mas que tem origem na própria história de exploração e na “ampla rede de controle social arbitrário e economia espoliativa”, impressa na gênese da sociedade brasileira. A filosofa se referia a presidente Dilma e a sua confiança no “papel histórico da burguesia nacional”.

Neste momento, parece que a concretização do sonho dilmista de uma elite desenvolvimentista se juntou à aspiração lulista – a mudança gradual através do pacto conservador talvez tenha subido no telhado, ou encontrado seu destino. O “passo além” desenhado por Dilma através dos juros subsidiados do BNDES vão se transformando em pulo no abismo das empresas “X”. A dourada realização do Brasil Grande, do homem mais rico do mundo, da melhor Copa de todos os tempos, dos “players” globais financiados pelo Estado para constituírem oligopólios que nem mesmo se transformaram em melhores serviços para a população.

Enquanto isso, ideólogos quebram a cabeça para desvendar a arapuca que se tornou a conjuntura do Brasil, todos há pouco muito crentes de que o subproletariado garantiria vida eterna ao petismo no poder. É preciso achar um culpado. Curiosamente, o próprio ex-presidente Lula admitiu, em seu primeiro artigo mensal para o New York Times, que o PT se afastou dos movimentos sociais, que a política precisa ser reformada, disse, corretamente, mas de algum lugar próximo a marte.

Seguidores do ex-presidente, como vimos, desqualificaram os protestos no começo, recuaram no meio, e voltaram ao início quando o Rio de Janeiro dos aliados Sérgio Cabral e Eduardo Paes ardeu em chamas. Não nas favelas, como o BOPE nunca deixou de fazer, mas no Leblon das novelas de Manoel Carlos. Alguns alegaram, inclusive que a “baderna” é inveja com o padrão de vida da Zona Sul carioca. Usam a desigualdade como arma. Certamente, os atos não teriam relação com ostentações dignas do Império, como o casamento de R$ 3 milhões dos herdeiros do oligopólio que controla o transporte público no Estado.

O governador do Rio, Sérgio Cabral acusou seus adversários políticos de “campanha antecipada”. Esqueceu-se o governador de que a sua própria campanha não apenas foi antecipada, mas é permanente. Ou as suas intimidades com empreiteiros – Cavendish e os guardanapos de Paris, os jatinhos emprestados de Eike Batista –, as inacreditáveis licitações forjadas para a concessão do estádio do Maracanã – Eike de novo – e mais uma série de desmandos de seu governo não são um grande pacto pela manutenção de seu próprio poder?

“Contra esses interesses destrutivos da imensa riqueza nacional, ergue-se a massa dela despojada”, afirmou Carvalho Franco na Folha.

Na quarta-feira, 17 de julho, depois de mais uma rodada de protestos incansáveis em frente à sua casa, um belo apartamento no metro quadrado mais caro do país, Cabral disse que os atos de vandalismo no Rio são uma “afronta” ao Estado Democrático de Direito. Em uma cidade extremamente desigual como o Rio de Janeiro, ele preferiu convocar seu secretário de segurança e o comandante da PM para dar explicações em seu lugar.

Já os secretários de transportes, educação e saúde, ninguém sabe. Não entende Cabral, assim como seu colegas políticos tradicionais, que depois do que se fez por Copas do Mundo, visita do papa Francisco e outras soberbas, não é mais possível alegar “falta de dinheiro” para os péssimos serviços públicos que oferecem.

Como, desde o começo dos protestos, o governador ou deu de ombros a exigência por transparência em seus excessos, ou mandou sua Polícia Militar reprimir sadicamente a liberdade de reunião e manifestação da população, assim como fez Alckmin em São Paulo, caberia perguntar se estaria Cabral realmente ouvindo o que dizem as ruas: que ele mesmo, talvez, seja uma afronta ao Estado Democrático. Nada que sua repentina humildade despertada pela presença do “papa dos pobres” não tentasse dissimular. Mas parece tarde para Cabral.

Entre a indignação com as vitrines quebradas do Leblon e a obtusidade quanto à chacina da favela da Maré não houve mediação. A primeira vale mais do que a segunda, e isso é indiscutível pois os fatos narrados na mídia falam por si. Não houve reunião de emergência da cúpula de segurança, não houve choro de mães na TV, não houve falas inflamadas de colunistas e nem classificações proporcionais à vândalos e baderneiros. Não houve acusações de agressão ao Estado Democrático de Direito.

A análise destes fatos demonstram sem muita necessidade de sofisticação intelectual que, poucas vezes na história do Brasil, o preconceito social ficou tão evidente e foi disseminado com tanta falta de discrição quanto o oferecido naquela semana. Vitrines que pertencem a ricos ou à classe média valem mais do que a vida de pobres. Sempre foi assim no Brasil e as raízes históricas estão relatadas em uma centena de obras acadêmicas e da literatura nacional.

A fala do colunista das Organizações Globo, Merval Pereira, afirmando que “o que aconteceu no Leblon é inaceitável na democracia” é, certamente, um símbolo retumbante e difícil de colocar em pé de igualdade com outros exemplos de hidrofobia explícita. Conceituar vandalismo talvez seja uma tarefa difícil e polêmica. Tratar os acontecimentos recentes desta forma foi o que fez a mídia no começo de junho, para depois ser atropelada pela força das ruas. A destruição da sede da Rede Globo é, deste modo, simbólica. Não havia o que roubar, não havia quem agredir. Bastava passar o recado de que há insatisfação com a maneira com que a emissora “clienteliza” e usa de seu poder econômico para criar narrativas de seu interesse, pouco importa a tal verdade factual.

Mas a corda, talvez, tenha finalmente estourado. A mobilização em torno do sumiço do pedreiro Amarildo na favela da Rocinha mostra que, de junho para cá, a consciência ultrapassou a medida convencional da luta de classes aceita como natural no Brasil. A paz armada proporcionada pelas Unidades de Polícia Pacificadora sofreu um abalo. Mesmo que as manifestações motivadas pela provável execução de Amarildo pela PM sejam menores do que se viu na “jornadas de junho”, também se distanciam da caracterização feita por, entre outros, Wanderley Guilherme dos Santos, que afirmou ver apenas “anomia niilista” no rescaldo de junho.

De todo modo, não se sabe se a massa anticorrupção voltará as ruas. Mas o saldo da politização, até agora, é positivo. A recorrente criminalização dos protestos de rua pela mídia e pelos governos já não é mais favas contadas. A melhoria do transporte público está na pauta e está muito mais difundida a ideia de que ele deve ser priorizado em detrimento do transporte individual. Resta saber como se comportará o subproletariado, que se não participou de maneira relevante nos protestos, o apoiou. Este é o fiel da balança para o próximo período.

* Henrique Costa é mestrando em ciência política na USP

 

Via:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22493

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