Não é uma metáfora, apenas o prazo de validade que estes produtos
químicos usados intensivamente na produção de alimentos usufruem no
Brasil, o maior consumidor mundial – um milhão de toneladas ou um bilhão
de litros. Nos Estados Unidos o prazo é de 15 anos, na União Europeia
10 anos e no Uruguai quatro anos. Entre 2006 e 2011, época da
implantação dos transgênicos o volume consumido aumentou 72% de 480,1
mil para 826,7 mil toneladas. A área de lavouras aumentou 19% de 68,8
milhões de hectares para 81,7 milhões. E o consumo médio por hectare
passou de 7 kg em 2005 para 10,1kg em 2011. Neste mês de setembro o
assunto voltou à tona. Em uma matéria na revista Galileu, a ANDEF
(Associação Nacional de Defesa Vegetal), por intermédio do presidente,
Eduardo Dahler, desqualificou o dossiê dos agrotóxicos lançado pela
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Em uma nota,
assinada em conjunto com o Instituto Nacional do Câncer e a Fundação
Oswaldo Cruz, desqualificaram as declarações do representante das
corporações que dominam o setor:
“Não aceitaremos pressões de
setores interessados na venda de agrotóxicos e convocamos a sociedade
brasileira a tomar conhecimento e se mobilizar frente a grave situação
em que o país se encontra, de vulnerabilidade relacionada ao uso massivo
de agrotóxicos. O compromisso dos que criticam as pesquisas é apenas o
lucro na venda de venenos”.
Maior exportador e zero
O
dossiê da Abrasco têm 472 páginas, dividida em três partes. A segunda
foi lançada durante a Rio+20, e a última no final do ano passado. É um
levantamento nacional baseado em várias pesquisas de profissionais das
universidades federais do Ceará, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Goiás e de
Pelotas, além dos pesquisadores da Fiocruz, do INCA e de outras
entidades. Traz dezenas de relatos, inclusive uma série de cartas
depoimentos de representantes de comunidades atingidas pelo impacto dos
agrotóxicos, ou que estão cercadas por projetos de irrigação – caso do
nordeste-, ou do Centro-oeste, caso do Mato Grosso. Faz uma análise
detalhada dos efeitos de vários dos produtos usados pelo agronegócio no
país.
A questão é a seguinte: o Brasil é o maior exportador de
soja, de carnes, de açúcar, de suco de laranja e de café. Somos o número
um no mundo. E temos uma estrutura de vigilância, de fiscalização e de
estruturação de apoio aos setores de saúde quase zero. Exemplo: 46
técnicos para avaliar agrotóxicos contando ANVISA, Ministério da
Agricultura e IBAMA. A Divisão de Agrotóxicos da EPA, Agência Ambiental
dos EUA tem de 90 a 100 apenas no registro, na reavaliação de 180 a 240 e
no impacto ambiental de 80 a 90 técnicos especializados. Neste quesito
não podemos dizer que não há comparativo, porque há e muitos. Os
profissionais da saúde não tem capacidade de diagnosticar as pessoas
intoxicadas com agrotóxicos. Os registros, que são espontâneos no
SINITOX – Sistema Nacional de Informação Toxicológica- na maioria dos
casos só contabilizam os casos de intoxicação aguda e nunca as crônicas.
Tentativas de suicídio
Num
trabalho de pós-graduação do curso de Geografia Humana, da USP, a
pesquisadora Larissa Mies Bombard avaliou as estatísticas do SINITOX de
1999 a 2009 – 62 mil intoxicações por agrotóxicos. A Organização Mundial
da Saúde calcula que para cada registro outros 50 não
ocorreram.
Ou seja, poderiam ser 3,1 milhões de intoxicações. Também foram
registradas 25.350 tentativas de suicídios, com 1.876 mortes. Cabe
ressaltar que no nordeste, principalmente Ceará e Pernambuco, tentativas
de suicídios abarcaram 75% dos casos notificados. Relação direta com as
áreas de irrigação onde se cultivam frutas para exportação –melão,
abacaxi e banana, manga, entre outras. Não há novidade neste quesito. Os
agrotóxicos, venenos descobertos e testados na época da II Guerra
Mundial tinham por objetivo principal matar pessoas. No caso dos
organofosforados – produtos do fósforo-, testaram os gases Sarin, Soman e
Tabun. Entre os sintomas mais conhecidos nos intoxicados é a depressão.
O veneno atinge o sistema nervoso dos humanos, dos insetos e de
qualquer outro ser vivo.
Quanto custa o registro de um
ingrediente ativo no Brasil? Entre 50 e mil dólares. Nos Estados Unidos:
US$630 mil. Para fazer reavaliação: US$150 mil nos Estados Unidos. No
Brasil – isento. Os agrotóxicos também não pagam ICMS, IPI, PIS/PASEP e
COFINS.
Tirar os agrotóxicos da ANVISA
Não foi
exatamente o dossiê da Abrasco que causou problema às corporações. Desde
a década passada que a ANVISA está fazendo a reavaliação de 14
princípios ativos dos agrotóxicos. Quatro já foram banidos, dois estão
com indicativos. O último deles, o endossulfan, um inseticida usado em
vários cultivos, teve seu prazo de validade encerrado em julho de 2013. A
pressão aumentou contra os dirigentes da agência. A bancada ruralista
inferniza os profissionais . Um deles, ex-gerente geral de Toxicologia,
Luiz Cláudio Meirelles, acabou exonerado, depois que foi divulgado que
sete agrotóxicos não haviam passado pelo sistema de avaliação, e
obtiveram registro no Ministério da Agricultura diretamente.
A
intenção da bancada ruralista e da senadora Kátia Abreu é tirar da
ANVISA o registro dos agrotóxicos, levar para uma comissão do Ministério
da Agricultura, que funcionaria nos moldes da CNTbio. Isso é um
passaporte para a eternidade dos agrotóxicos no país. Uma das
integrantes da vigilância tóxica da ANVISA, Letícia Rodrigues da Silva
num trabalho sobre as controvérsias dos agrotóxicos aponta os limites do
atual modelo de avaliação:
“Os estudos feitos pelas empresas não
são de acesso público. Existe um conflito de interesse e ingerência do
patrocinador nos estudos. Existe proteção de dados por 10 anos. Relação
privilegiada entre governo e empresas.”
E ressaltou a estratégia
das empresas para combater os estudos dos órgãos reguladores. Começa
pela desqualificação dos estudos que apontam riscos dos agrotóxicos.
Logo em seguida, a contratação de pareceristas e jornalistas, para
combater do ponto de vista técnico, questionam protocolos de estudos,
significância e exposição. Depois captura e desqualificação dos autores e
instituições que apontam os riscos. Terceiro passo: a busca de aliados
políticos e a pressão aos órgãos de governo. Última etapa, a
judicialização.
Irregularidades dentro das fábricas
Letícia
da Silva também apontou alguns resultados das fiscalizações que a
ANVISA realiza diretamente nas fábricas das empresas. Em 2010, houve
interdição de 800 mil litros na BASF, por falta de rastreabilidade nas
soluções utilizadas e componentes vencidos. Na fábrica da Dow
encontraram embalagens vazando, problema em rótulos, com data de
fabricação
adulterada, alterações em formulações. Na fábrica da
FMC interditaram 140 mil litros com produtos vencidos e com etiquetas
adulteradas. Acrescentando a isso, casos de irregularidades nas
condições de trabalho e saúde dos funcionários, problemas ambientais, do
consumidor.
No Brasil, os agrotóxicos ilegais, que entram por
contrabando ou com origem desconhecida, somam 9% do mercado, um dado do
Sindicato da Indústria de Produtos da Defesa Vegetal (SINDAG). Em
dinheiro representa US$540 milhões e seria a quinta empresa do setor. O
Sindicato dos Auditores da Receita Federal tem divulgado um dado
constantemente – 30% dos agrotóxicos importados e eles somaram 57% do
consumo em 2012, não tem origem conhecida.
São químicos com alto
impacto na vida da população e no ambiente. Um estudo da Embrapa sobre a
retenção dos agrotóxicos nas plantas indica o seguinte: 32% do que foi
aplicado fica retido na planta, 19% o vento carrega para a vizinhança e
49% permanece no solo. Será levado pela chuva, penetrará no lençol
freático, viajará por córregos, rios, até chegar às estações de
tratamento de água. O índice de potabilidade da água, a percentagem de
produtos aceitáveis na água potável mudou da década de 1990 para 2013.
Naquela época era permitida a presença de 13 tipos de agrotóxicos e 11
produtos de química inorgânica (metais pesados). Em 2004, aumentou para
22 tipos de agrotóxicos e 13 produtos inorgânicos. A portaria de
potabilidade da água n º2.914/2011 permite a presença de 27 tipos de
agrotóxicos e 15 produtos químicos inorgânicos.
Pressão de todo tipo
No
Brasil existem 434 ingredientes ativos e 2.400 formulações de
agrotóxicos registrados nos ministérios da Saúde, Agricultura e Meio
Ambiente. Dos 50 mais utilizados nas lavouras 22 são proibidos na União
Europeia. No segmento das hortaliças, que envolve uma área de 800 mil
hectares são destinados 20% dos ingredientes ativos dos fungicidas.
Entre 2006-2011 o volume de fungicidas aumentou de 56 mil toneladas para
174 mil toneladas, a maior parte para combater a ferrugem da soja. O
volume de inseticidas, no mesmo período, aumentou de 93,1 para 170,9 mil
toneladas e os herbicidas, consequência dos transgênicos, de 279,2 mil
toneladas para 403,6 mil toneladas.
“No Brasil, o suporte
laboratorial e tecnológico, seja para monitorar resíduos nos alimentos e
no meio ambiente, seja para monitoramente biológico, dos trabalhadores
expostos, permanece bastante limitado há décadas, apesar da necessidade
crescente.” Um trecho do dossiê da Abrasco, que segue:
“O pacto
político/econômico em que predominam os interesses da bancada ruralista
para uma maior liberalização do uso dos agrotóxicos no âmbito do
Legislativo mais de 40 projetos de lei nessa direção; no Executivo
pressão sobre os órgãos reguladores como a ANVISA; no Judiciário a
impunidade nas mortes no campo; na pesquisa mais de 95% dos recursos da
Embrapa voltados ao agronegócio e na mídia com os canais especializados
na televisão”.
Campanha Permanente Contra
A indústria
dos agrotóxicos com todo o seu poder deve estar reavaliando suas
estratégias. O combate direto cada vez mais expõe o perigo da questão.
Não adianta arregimentar
profissionais para desmentir, denunciar,
produzir outras versões. Agora as corporações, pela primeira vez na
história, enfrentam uma Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e em
Defesa da Vida, que reúne mais de 50 entidades. Além de um Fórum
Permanente contra os impactos dos Agrotóxicos, envolvendo 16
instituições, entre elas o Ministério Público do Trabalho. Em 2013, o
MPT conseguiu uma grande vitória, ao definir um acordo no Tribunal
Superior do Trabalho, para indenizar mais de mil trabalhadores da antiga
fábrica de agrotóxicos organoclorados da Schell, em Paulínia (SP),
funcionou até 2002. No total, entre ações coletiva e individual, R$370
milhões, divididos entre a Schell e a BASF, última dona da fábrica. Duas
campanhas organizadas e permanentes, além do documentário rodando na
internet “O Veneno tá na mesa”, de Sílvio Tendler.
Isenção Ideológica
Mesmo
assim, a ANDEF levou a Lucas do Rio Verde (MT), onde um avião agrícola
pulverizou áreas urbanas, atingindo 65 chácaras e 180 canteiros um
professor de química da USP para contestar o estudo em leite materno de
62 nutrizes, que detectou várias substâncias tóxicas. Erro de
metodologia.Outro da Unicamp, também do regimento da ANDEF, diz que vai
contestar o dossiê da Abrasco, que analisou 4.896 currículos, para
identificar os pesquisadores que trabalham com a temática dos
agrotóxicos. Apenas 10% estudam os aspectos de toxicidade aguda ou
crônica dos químicos.
“-Esse mapeamento aponta que os estudos não
têm abordado a temática da saúde e ambiente, que deveria ser de grande
interesse, tanto dos pesquisadores, das suas instituições e dos órgãos
de fomento, no país que já há alguns anos tem se colocado no topo do
consumo mundial de agrotóxicos. As indústrias de agrotóxicos investem em
mecanismos de cooptação de pesquisadores para produção de evidências
científicas para a legitimação do uso de seus produtos, com o fomento de
recursos financeiros para pesquisas”.
A maior acusação do
presidente da ANDEF, Eduardo Dahler contra o dossiê, é “que esses
pesquisadores mostraram que há conduta ideológica na Fiocruz, não se
pode acreditar nos dados deles”. Na época da ditadura, quando criaram o
sistema de crédito rural e vincularam o dinheiro ao uso de um pacote de
químicos, as mesmas corporações mostraram a sua isenção ideológica.
Contrataram o general Golbery do Couto e Silva, no caso da Dow Química, e
o general Ernesto Geisel, após deixar a presidência, assumiu a
Norquisa.
O veneno tá na mesa, também está no sangue, na gordura
dos corpos, no sistema nervoso de milhares de pessoas, só ainda não
entrou na agenda urbana do país. Os agrotóxicos levam uma vantagem, não
são visíveis. A pessoa come, ingere minúsculas doses, que vão se
acumulando por anos, até resultar numa doença grave. Os maiores
registros de diversos tipos de câncer. É claro, nunca há o vínculo com o
veneno. Nunca haverá, porque o assunto não está no currículo dos
profissionais de saúde, nem das ciências agrárias. Os ingleses definem
os agrotóxicos, que no Brasil está na lei 7.802/1989, como pesticidas,
significa o que acaba com as pestes. Provavelmente, na história futura
da civilização industrial, vai ser definido exatamente quem é a peste:
se os insetos e as plantas chamadas de invasoras ou os venenos.
Vía:
http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22741
sábado, 21 de septiembre de 2013
Brasil: Agrotóxicos o perigo eterno ...A questão é a seguinte: o Brasil é o maior exportador de soja, de carnes, de açúcar, de suco de laranja e de café. Somos o número um no mundo. E temos uma estrutura de vigilância, de fiscalização e de estruturação de apoio aos setores de saúde quase zero. Por Najar Tubino
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