São Paulo, Brasil. “Mas são vinte
centavos. Que diferença faz? É o patrão que paga”. Dentro de um ônibus
lotado, uma auxiliar de limpeza reclamou da manifestação do dia 7 de
Junho que, pela segunda vez naquela semana, atrapalhou o trânsito e fez
sua volta para casa demorar ainda mais. A amiga a seu lado concordou:
“até parece que o governo vai mudar alguma coisa”. Mas desta vez o
governo mudou. As manifestações frequentes em São Paulo encontraram eco e
logo se alastraram para outras cidades do país. Surpresa, esperança,
desconfiança e especulação viraram constantes na rotina dos paulistanos
em junho.
As primeiras opiniões eram argumentos
velhos conhecidos: “eles atrapalham o trânsito”, “isso é coisa de
vagabundo”, “atrapalham os verdadeiros trabalhadores dessa cidade”. Em
pouco mais de uma semana, algo mudou: famílias inteiras seguiam a marcha
do dia 17, e até mesmo homens de terno e gravata gritavam palavras de
ordem. Então o assunto das manifestações se tornou o assunto oficial em
todas as mesas – dos bares às das escolas – e as declarações de repente
se tornaram positivas. Até mesmo a Copa das Confederações ficou
esquecida em sua estreia! Rapidamente, os grandes veículos da
mídia brasileira retificaram suas posições, e o tom se tornou mais
benevolente com os revoltosos, e mais crítico com os governos, numa
relação com a opinião pública de mútuos reflexo e influência.
O aumento da tarifa foi revogado, o
governo federal anunciou propostas de reformas, mas os reflexos dos
acontecimentos jogaram luz sobre novas questões, como a dúvida de se o
país tomará de fato novos rumos ou os esforços de luta perderão força e
serão marginalizados novamente. A entrada da classe média (ou grande
massa) para o cenário do ativismo político é uma novidade para o Brasil,
e é noticiada com entusiasmo -ainda que recebida com cautela por alguns
setores.
Eduardo de Freitas Fonseca, sociólogo e
professor de História na rede particular, deu a sua análise do problema,
“um grupo jovem – a geração milennium –, originária da classe
média urbana, se transformou em catalisador do descontentamento da
população. A truculência da repressão policial foi outro fator da
ampliação e repercussão do movimento. A classe média, ofendida
sistematicamente pelos impostos altos e serviços ruins, passou a
defender ‘seus filhos’”.
Sobre esta nova formação paira um clima
de alarme, e a cada dia é mais visível e tensa a divisão entre os
setores de esquerda e direita, que agora reivindica a liderança das
manifestações. Uma nova tendência direitista (que não se identifica como
tal, sjea intencionalmente ou por desinformação) prega a despolitização
dos movimentos populares. As disputas também se encontram entre os
próprios manifestantes. Kauê Vieira, de 23 anos, morador do Grajaú
(extremo sul da cidade) e militante do movimento negro, relata um caso
de intimidação: “Estive na Avenida Paulista no ato de comemoração do
Movimento Passe Livre (MPL). Vi muitas pessoas felizes em assistir os
jovens nas ruas, mas também vi um lado conservador e até grupos
neonazistas que agrediram pessoas que portavam bandeiras de partido ou
que apenas vestiam vermelho. Eu estava junto com um grupo do MPL e fomos
encurralados por estes extremistas. Durante as manifestações, muitos
direitistas saíram às ruas com seu preconceito e intolerância”, narrou.
Éder Souza, de 28 anos, estudante de
História e professor num cursinho pré-universitário, assume uma postura
política de direita e vê a manifestação com outros olhos. “Até na cor da
bandeira essas pessoas querem hegemonizar a massa, querem que todas
sejam vermelhas, e rejeitam os símbolos pátrios, aqueles que justamente
unem a população, com o pífio argumento de que é ‘fascismo’. Eles
demonstram que precisam aprender o que significa realmente este termo e
quais são as suas implicações políticas antes de fazer uma análise tão
simplificada do sentimento patriótico que emergiu no país”, criticou.
O jornalista Pedro Ribeiro Nogueira,
agredido pela polícia e preso durante uma das manifestações, afirmou que
os atos populares representam para ele “um misto de dor e alegria que é
difícil simbolizar. Fui agredido, preso e tenho medo que o processo
contra mim avance. Mas neste sentimento agridoce fica evidente a alegria
de ver um movimento popular que floresce. É algo pelo qual esperei a
vida inteira”, confessou. Nogueira ainda responde a um processo judicial
e está impedido por uma medida cautelar de acompanhar as manifestações.
Embora uma parcela da população siga
cada vez mais alarmada com notícias de grupos que se formam ao redor de
princípios extremistas e pouco democráticos, ainda se sobrepõe um clima
de otimismo – em muitos casos, atento e cauteloso. Kauê Vieira considera
a revogação do aumento da tarifa dos ônibus mais um ponto de partida do
que chegada. “O que aconteceu em São Paulo com a redução da tarifa, por
exemplo, deve ser considerada sim uma vitória. Quando foi que um
governo de extrema direita como o do PSDB ouviu o povo e atendeu seus
pedidos? Eu não me lembro. Então esse é um motivo de comemoração. Mas
sem carnaval, afinal de contas esta é, se muito, a ponta do iceberg”,
ponderou. Ele afirma estar pouco entusiasmado com as mudanças: “Fiquei
satisfeito com o que a presidenta Dilma fez, especialmente em receber os
representantes dos movimentos. É disso que precisamos, de políticos que
ouçam e recebam a população em seus gabinetes, afinal de contas estamos
numa democracia representativa, então o povo precisa ser ouvido. Porém
devemos ficar de olho e fiscalizar de perto o governo. Mesmo com as
manifestações, as coisas não mudaram. Renan [Calheiros] e [José] Sarney
circulam livremente por aí. Estas decisões passam pelas mãos deles.
Exatamente por isso é preciso haver uma reforma política no país, para
nos livrarmos destes políticos que são uma espécie de câncer e que
empacam o crescimento do Brasil”, analisou o ativista.
A dúvida que paira sobre a cidade ainda é
se que ‘o gigante’ voltará a adormecer. É possível ouvir murmúrios de
lamentação daqueles quem têm sua rotina prejudicada pelas manifestações
menores que continuam acontecendo. Um entregador de pizza que pede “um
descanso” das atribulações, uma passageira de ônibus que perdeu viagem
pois a avenida estava fechada – mas sorriu quando descobriu que o ato
era dirigido contra o projeto de “cura gay” de um deputado evangélico.
As que existem agora são manifestações
muito menores em adesão, mas com propósitos mais específicos. “Acredito
que os protestos diminuirão, como tem sido a tônica de grande parte das
manifestações de massa contemporâneas. Mas a mensagem está clara, o povo
pode conquistar muitas coisas indo às ruas, a disposição do brasileiro
de se levantar contra o seu governo em caso de assim achar necessário
agora é outra”, analisa Éder Souza. “Se antes era mal visto protestar,
agora está mais fácil mobilizar pessoas de diversos segmentos sociais
para diferentes causas”, completa.
Para Eduardo Fonseca, as manifestações
foram fruto de uma “angústia coletiva” y representam o reconhecimento da
população de sua força, bem como a descoberta de si como agente
político efetivo. O professor acredita que esta voz será ouvida em
algumas pautas do governo – embora cerceada por elementos de crise
financeira e aos cercos com as reeleições. Mas é fundamental compreender
que “a mobilização de mais de um milhão de pessoas pelas ruas assustou
muita gente. Quem ficar parado e não assumir uma posição clara e ativa,
ficará à margem do processo político e histórico”, finaliza.
http://desinformemonos.org
http://desinformemonos.org/2013/07/em-sao-paulo-ha-motivos-para-comemorar-mas-sem-fazer-carnaval/
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