Ouve-se no Brasil destes dias de
junho e julho de 2013 um grave e recorrente aviso.Trata-se do alarme, em
geral proveniente dos palácios governistas, sobre os riscos atinentes à
iminente “volta da direita” ao poder na chefia do Executivo da União.
Seja por golpe de Estado, na versão dos
mais aflitos, seja por meio do sufrágio, segundo outros igualmente
ressabiados, acautela-se a nação com a possibilidade, intensificada
pelos protestos de rua, de um regresso dos setores sombrios,
reacionários, perigosamente nefastos à República e à participação social
em nossa crescentemente inclusiva sociedade.
Tenho lido muitos romances da cultura cyberpunk.
Dei-me a assistir, com estranha
frequência, à filmografia das distopias de um mundo low-life-high-tech,
como The Dune, Matrix ou Blade Runner. E, patologicamente imerso nessa
estética, tenho até mesmo dedicado algumas horas mensais a jogar um
videogame chamado Deus Ex: Human Evolution, cuja narrativa se dá em um
caótico ano de 2027, quando as corporações controlam a política e a
biotecnologia promete, a um só tempo, potência e disciplina, saber e
dominação, de um modo que bem ilustra o ponto acadêmico dos estudiosos
do biopoder, ou mesmo dos críticos da razão instrumental.
É assim que, diante dos constantes
alarmes sobre os riscos da apocalíptica “volta da direita” e imerso em
distopias ficcionais sobre um futuro próximo assustadoramente
verossímil, deparei-me, qual Gregor Samsa, com os mais intranquilos
sonhos (espero não acordar metamorfoseado em variantes bizarras ou
improváveis, como, talvez, um petista que se diga socialista), nos quais
vejo detalhes desse pavoroso Brasil
sob o restaurado jugo das forças de direita. Nesse psicanalítico
expediente orientado a superar o meu pânico, peço-lhe s, leitores, vênia
para externalizá-lo e detalhá-lo convosco.
O meu pesadelo se dá em treze atos, em cabalístico mimetismo do número de um partido brasileiro.
1) Quando a direita voltar ao poder, uma
concepção tecnocrática de desenvolvimento, própria da época em que os
militares governaram, será restabelecida. Projetos sobre os quais não se
ouvia falar desde os tempos de Médici, como a Usina de Belo Monte,
serão retomados e conduzidos em parceria com grandes conglomerados do
capitalismo oligopolista. Indígenas serão assassinados e, quando menos,
publicamente insultados por ministras de Estado. A Polícia Federal
confiscará o material de trabalho dos jornalistas que cobrem conflitos
ambientais e agrários. A Força Nacional de Segurança será despachada
para reprimir insurgências operárias nas grandes obras da Amazônia. A
legislação ambiental será dilacerada, sob efusivos aplausos de
lideranças latifundiárias, aliadas à regressante direita em seu governo.
2) Quando sofrermos a iminente volta da
direita, o governo será aliado indissolúvel das bancadas parlamentares
teocráticas. Seu partido abdicará da coordenação da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara, em benefício de um notório teocrata. As políticas
públicas educacionais voltadas ao respeito à população LGBT serão
desqualificadas pela Presidente da República como “propaganda de opção
sexual”. É possível, até mesmo, que se faça aprovar uma bolsa orientada a
inibir o exercício, por mulheres vitimadas por violência sexual, do
direito ao aborto legal.
3) Acaso as pessoas continuem a
protestar e abram as portas da história para o regresso direitista, é
certo que o Governo Federal combaterá com mão de ferro as rádios livres,
ao tempo em que inverterá bilhões em favor das grandes empresas de
comunicação de massa.
4) No mais pavoroso cenário, o Brasil
comandará uma invasão a um paupérrimo país da América Central e nossos
militares serão acusados, qual estadunidenses no Iraque, de todo tipo de
prática indevida. É até possível que o Wikileaks deixe transparecer
quea empresa têxtil de um finado vice-presidente direitista tenha
intenção em ingressar no país invadido, conformando-se uma curiosa
versão sub-equatorial do direitista Dick Chenney.
5) Dizem que se a direita voltar ao
poder será inexorável o restabelecimento das privatizações e dos favores
estatais ao grande capital. Leilões de reservas petrolíferas, alteração
da legislação portuária com finalidades privatizantes, concessões de
aeroportosà iniciativa privada, exonerações fiscais ao grande capital e
práticas afins serão uma rotina nesse dantesco cenário de
restabelecimento do governo pelas forças do atraso.
6) Acaso a direita acesse a Presidência
da República novamente, é certo que tentará fazer de Renan Calheiros o
Presidente do Senado. É inevitável que José Sarney volte à cena política
e, no mais assombroso cenário, há alguma chance de nomes como Collor e
Maluf restabelecerem as respectivas carreiras, sob os auspícios do
partido da direita.
7) Se os nossos inimigos voltarem, creio
que até 47% dos recursos do Orçamento da União serão dedicados ao
adimplemento da dívida pública e o Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, cujo artigo 26 determina sua auditoria, permanecerá uma
letra morta. É possível que o sistema tributário se torne ainda mais
regressivo do que nos anos FHC e que os pobres, por conseguinte, vivam
sob uma escorchante carga tributária, ao passo que os ricos experimentem
padrões de arrecadação próprios de paraísos fiscais.
8) Com a volta da direita, pode ser que
aprovem uma lei ordinária com o escopo de afastarem, em favor da FIFA
(e, por via oblíqua, das corporações que tal entidade representa sob o
estímulo pecuniário de patrocínios oficiais), liberdades fundamentais de
expressão e de associação dos brasileiros,
proibindo-se, por exemplo, faixas de protestos dentro dos estádios de
futebol ou em suas proximidades. Imagina-se até mesmo que a Presidente
mande sua Força Nacional para reprimir ativistas e faça pronunciamentos
em rede nacional com apelos clamorosos ao primado da lei e da ordem.
9) A direita manterá os gastos da União
com educação superior nos mesmos 0,7% do PIB dos tempos de FHC, mas
expandirá o sistema nominalmente, dando origem a universidades com aulas
em containers e a professores com vencimentos reais inferiores aos dos
direitistas tempos de Paulo Renato Souza. O partido da direita, quando
gerir municípios, dilapidará o SUS e apostará no privatizante modelo das
organizações sociais. As estradas no país da direita serão custeadas
por pedágios. O transporte público será exceção, enquanto os incentivos
fiscais à indústria automotiva serão a regra.
10) Se a direita voltar, seu partido não
receberá ativistas ou manifestantes. Tentará confinar-lhes em espaços
controlados e assépticos, como conferências mantidas pelo governo do
partido, para que sejam frequentadas por filiados ao partido, onde terão
diálogos com empresários que financiam as campanhas do partido. Quem
for às ruas conhecerá a mais violenta máquina de violação dos direitos
humanos, a se manifestar na Bahia, no Rio Grande do Sul, no Distrito
Federal e onde mais o grupo da direita governar. Onde não governarem,
pedirão apoio das forças policiais dos governos de seus adversários, em
uma aliança tática contra a democracia e os direitos políticos ou civis.
11) Se a direita voltar, ai meu Deus, o
país começará a se desindustrializar e ocupará o papel precípuo de
exportador de commodities minerais e agrícolas sem valor agregado,
semeando no presente a grande crise do futuro.
12) No governo da direita, ao menor
sinal de inflação (que será uma inflação de preços, impulsionada por
tarifas administradas pelo governo em favor do grande capital, antes de
inflação de demanda) o Banco Central elevará a taxa de juros SELIC,
semeando recessão e usura.
13) No governo da direita, assim como se
alardeava o milagre econômico em Médici, a máquina oficial de
propaganda, onipresente (depois de bater recorde de fechamentos
coercitivos de rádios livres) da grande mídia (dizem que a Veja dedicará
capa laudatória à Presidente da direita e que a Globo receberá somas
recordes de publicidade governamental) à blogosfera, vai dizer que a
renda nacional foi desconcentrada. Mas, se alguém perguntar sobre os
dados referentes à diferença entre renda do trabalho e renda do capital,
os intelectuais da direita dirão que é metodologicamente impossível
medir tal separação, de modo que ficarão satisfeitos em dizer que
remediados passaram parcos recursos aos pobres, enquanto os bilionários
enriqueceram como nunca.
Que a direita nunca volte!
Que o presente nunca aconteça!
Voltemos ao passado em nossas máquinas
do tempo e desçamos em julho de 2013, para, ali, derrotarmos, nas ruas, o
governo da direita que, àquele tempo, ainda não era conhecido por seu
nome real!
*Francisco Mata Machado Tavares é Bacharel em Direito pela UFMG. Mestre e doutorando em Ciência Política pela UFMG. Professor Assistente da Faculdade de Ciências Sociais da UFG.
http://blogdojuca.uol.com.br/2013/07/a-volta-dos-que-nao-foram/
Vía:
http://www.kaosenlared.net/america-latina/item/63030-brasil-volta-dos-que-n%C3%A3o-foram.html
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