Santiago – A reunião entre o presidente da Corte Suprema, Enrique
Urrutia Manzano e outros ministros, com membros da Junta de Governo,
liderados por Augusto Pinochet, tinha como eixo principal a petição dos
juízes para que melhorassem suas pensões. Em meio às negociações, os
magistrados se manifestavam abertamente em apoio e lealdade à “nossa
Junta de Governo”. Recalcando o trabalho cotovelo com cotovelo e a
necessidade de solucionar problemas “amistosamente, para que as coisas
não transcendam para fora”.
Às 16 horas do dia 30 de outubro de
1974, o então presidente da Corte Suprema, Enrique Urrutia Manzano,
junto a outros três magistrados, se reunia secretamente com integrantes
da Junta de Governo liderada por Augusto Pinochet.
Quase 40 anos
depois, fragmentos do discutido em dito encontro, recolhidos na ata
secreta 165ª, falam da proximidade e conivência que se gestou entre o
Poder Judiciário e o Governo Militar, em meio à petição de maiores
subsídios e aposentadorias por parte dos juízes.
Junto a Urrutia
Manzano, compareceram à reunião seus sucessores à cabeça da Corte
Suprema, José María Eyzaguirre e Israel Bórquez, além de Juan Pomés.
Este último, junto a Bórquez e Urrutia Manzano, havia se reunido
secretamente no mesmo dia do Golpe Militar, que apoiaram abertamente,
segundo consta no Libro Negro da Justicia Chilena, de Alejandra Matus.
Famosa
se fez a frase de Israel Bórquez: Os desaparecidos “me tienen curco”
(“já me encheram o saco”). Enquanto o discurso de abertura do ano
judicial de 1975 de Urrutia Manzano, que depois do Golpe se adiantou em
investir o general Pinochet com a faixa presidencial, em uma clara
manifestação de respaldo à ditadura negou taxativamente a existência de
detidos desaparecidos ou de torturas e “outras atrocidades”.
Enquanto
isso, o ministro Eyzaguirre havia aceitado com gosto somar-se a uma
turnê governamental pela Europa em 1974, junto ao presidente do Colégio
de Advogados, Alejandro Silva Bascuñón e o advogado Julio Durán, cujo
fim era explicar as razões e fundamentos do Golpe.
O tema
principal do encontro secreto nessa tarde de outubro à que compareceram
estes magistrados, se referia à situação previdenciária do Poder
Judiciário. Especificamente a necessidade, segundo afirmavam os
magistrados presentes, de impulsionar um projeto pendente que favorecia
os montepios das viúvas de Ministros e as aposentadorias dos mesmos com
motivo de 35% de assinação profissional.
A respeito, Eyzaguirre
afirmava que a Corte Suprema estava consciente da “situação extremamente
grave do ponto de vista financeiro em que se encontra o país. Estamos
conscientes de que os senhores membros da Junta de Governo receberam uma
herança fatal e desesperada. Não nos atreveríamos a vir propor à
Honorável Junta de Governo uma situação que significasse um maior gasto
público, porque consideraríamos uma falta de patriotismo de nosso atuar
pedir uma cosa assim (…)”.
Urrutia Manzano agregava que “vocês
têm uma testemunha presencial a quem podem interrogar sobre isto: o
Auditor Geral de Guerra, que uma vez por semana está precisamente na
primeira sala, na Sala minha, trabalhando conosco. Ele viu quantas vezes
a Corte Suprema correu riscos para evitar que se deslize um comentário
no exterior (do país) que pudesse prejudicar a nossa Junta de Governo,
pois isso a Corte Suprema não aceita, e procuramos com isso a maneira
harmoniosa de sair do tranco para que não saia à publicidade algum erro
que possa ter cometido algum fiscal”.
O que era secundado por
Urrutia Manzano, que expunha diante dos militares que “como expressou o
ministro Eyzaguirre, nós compreendemos a situação em que está a Junta e a
situação do país. Prestamos o maior apoio possível que pudemos à Junta,
porque estamos convencidos disso e o fizemos sinceramente, sem esperar
nada. Mas hoje em dia nos encontramos em uma situação francamente
insustentável (…) aí está o Ministro senhor Ortiz, que está pedindo
permissão e mais permissão, e então, tenho aí um vazio e tão é assim,
que nem quisemos nomear suplente”.
Mas é uma intervenção do
ministro Eyzaguirre a que gráfica especialmente a extrema proximidade e
colaboração entre ambos os poderes, e dá conta dos esforços dos juízes
para trabalhar favorecendo os militares, evitando-lhes problemas no
exterior e com a imprensa.
“O Poder Judicial foi maltratado desde
muitíssimo tempo por uma razão muito simples: porque sempre foi
tremendamente legalista; porque impôs o cumprimento da Constituição e
das leis valentemente contra qualquer tipo de Governo. E ao atual
Governo a Corte Suprema tem especial estima”.
O magistrado
agregava que “vocês têm uma testemunha presencial a quem podem
interrogar sobre isso: o Auditor Geral de Guerra, que uma vez por semana
está precisamente na primeira sala, na minha Sala, trabalhando conosco.
Ele viu quantas vezes a Corte Suprema driblou riscos para evitar que se
deslize um comentário no exterior (do país) que pudesse prejudicar a
nossa Junta de Governo, pois isso a Corte Suprema não aceita, e
procuramos com isso a maneira harmoniosa de sair do tranco para que não
saia à publicidade algum erro que possa ter cometido algum fiscal, por
exemplo, alguma petição que não devia ter sido feita, e o solucionamos
sempre assim, amistosamente, para que as coisas não transcendam fora do
país, porque para nós é fundamental isso: a colaboração que nós possamos
prestar à Junta de Governo honesta e sinceramente”.
Por sua
parte, Urrutia Manzano recalcava que “isso está provando que se viemos
até aqui é porque estamos em situação desesperada”. Os mimos também
vinham do outro lado. Pinochet em pessoa respondia ao magistrado, que “o
mesmo carinho que você me expressava em dias passados é o que nós temos
por vocês”.
Os recursos de amparo
Entre setembro de
1973 e dezembro de 1983 os tribunais chilenos acolheram apenas 10 dos
5.400 recursos de amparo apresentados a favor de pessoas detidas
ilegalmente por ordem das autoridades do Governo Militar.
Segundo
um relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Chile da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA, o elevado número de recursos
recusados obedecia principalmente à lógica adotada pelas Cortes
chilenas nesses casos, que tinha dois pilares: dava plena fé aos
relatórios ministeriais de que não se havia detido ao amparado, deixando
absolutamente de lado as provas ou testemunhos que deram aval a
denúncia. Ou, em caso de que as autoridades admitissem a detenção, os
juízes faziam vista grossa porque havia sido uma prisão realizada
legalmente.
A situação dos recursos de amparo foi tratada
tangencialmente no secreto encontro do final de 1974 entre magistrados e
militares.
Ao finalizar o extenso diálogo sobre as pensões, Urrutia Manzano desliza o tema:
“Tomando-me
a liberdade, apenas desejo agregar algo completamente à margem disto.
Temos problemas: os famosos relatórios dos Ministérios nos recursos de
amparo. Tenho 300 relatórios pendentes. A petição da Corte Suprema,
enviei a respeito um ofício ao Ministério de Defesa e ao Ministério do
Interior. Chegaram 50 relatórios, mas restam 250, e agora chegaram
outros 50 amparos. Compreendo a situação, mas lhe peço, senhor
Presidente, se poderia acelerar isso, porque depois vem as reclamações”.
A
resposta de Pinochet foi sucinta: “Há problemas por pessoas que se
trasladam para fora. Também, por exemplo, ontem uma senhora estava
buscando uma pessoa, mas havia entregado outro nome. Vou me preocupar
com este assunto”.
Tradução: Liborio Júnior
Via:
http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22748
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