Há
59 anos, naquele 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas cometeu o
suicídio político mais inteligente da história. Consternado com a
notícia que ecoava pelas rádios, o povo carioca perseguiu e escorraçou
porta-vozes da oposição virulenta ao Presidente. A experiência da
tragédia abalou o cimento da resignação cotidiana e a multidão elegeu
seu alvo: cercou e depredou a sede da rádio Globo que saiu do ar. A
escolha do desespero tinha alicerces na razão. O cacho de forças
silenciadas na vitória esmagadora de Vargas em 1950 preservara intacta a
sua sonoridade junto à opinião pública. À medida em que a
incontinência dos decibéis superava o comedimento das formalidades e
contaminava todo aparato conservador, o duelo tornava-se a cada dia mais
desproporcional. Uma agenda latejante de suspeição,desafios e
desrespeito ostensivo era apregoada diuturnamente. A pressão atingiria
seu auge naqueles dias finais de agosto. Cinquenta e nove anos depois do
tiro que sacudiu o país e impôs o recuo do golpismo, o volume
asfixiante do coro conservador ainda pode ser ouvido e aquilatado. Entre
um agosto e outro, algumas peças do paiol midiático permanecem. Outras
se juntaram à tradição. Os personagens se renovam, mas o método se
repete. O jogral da condenação sumária sentencia a mesma intolerância
em cada linha, título, nota, coluna, fotomontagens, capas, escaladas
televisivas e radiofônicas. Troquem-se as letras que compõem o nome
Vargas por ‘mensalão'. Ou Lula. Ou Dirceu. Ou Cuba...O preconceito
beligerante que cerca um, equipara-se ao que esmagou o outro. O rastro
comum remete à matriz udenista da suspeição e da condenação sumárias;
das togas avessas às provas; e das sentenças indiferentes aos autos. O
conjunto forma um fio de continuidade que atravessa a régua do tempo e
conecta a luta progressista de 54 a do Brasil de 2013. Hoje, mais uma
vez, o país enfrenta uma transição de ciclo histórico. Ela opõe, de um
lado, a esperança no passo seguinte de um desenvolvimento calcado na
emancipação social de sua gente. E de outro, as forças e interesses que
consideram intolerável sincronizar esse passo com o anseio por equidade e
justiça, mas, sobretudo, por uma efetiva redistribuição do poder. (Leia também ‘A guerra das expectativas'. AQUI)
Carta Maior
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