martes, 4 de septiembre de 2018
Brasil: Manobra anunciada .. Por Eric Nepomuceno
Por Eric Nepomuceno
A verdade é que não houve surpresa, mas ainda assim, a esperada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a candidatura presidencial de Lula da Silva, pela forma na qual foi emitida, não deixou de causar impacto no Brasil.
Como se antecipava até entre os círculos mais chegados ao ex-presidente, favorito absoluto em todas as pesquisas eleitorais, sua candidatura foi impugnada. Concluiu-se desta maneira o golpe institucional que destituiu a presidenta Dilma Rousseff – e, que grande coincidência, a censura à candidatura de Lula acontece dois anos depois, mas no mesmo dia 31 de agosto que finalizou o processo de impeachment contra a sua sucessora, e instalou uma quadrilha no poder, levando a que absolutamente todos os aspectos da vida brasileira sofressem um forte retrocesso.
Naquela noite de sexta-feira, o voto determinante foi dado pelo magistrado Admar Gonzaga, nomeado por Michel Temer e que ostenta no currículo, entre outras pérolas, uma denúncia de violência contra sua ex-esposa. O caso foi respaldado pela Procuradoria Geral da República, porém nada foi feito, e o valente agressor de mulheres segue julgando com idêntica brutalidade.
O voto de Gonzaga foi proferido por volta das 23h, em uma sessão que, naquela altura, já levava mais de oito horas de duração. Mais impressionante, em todo caso, foi a celeridade com que o caso de Lula da Silva chegou ao pleno dos magistrados.
Na quinta-feira (30/8), faltando pouco para a meia-noite em Brasília, quando se esgotaria o prazo legal, a defesa do ex-presidente apresentou seus argumentos contra os dois pedidos de impugnação do registro da candidatura de Lula da Silva no Tribunal Superior Eleitoral. Horas antes, às 21h30, a presidenta do TSE, ministra Rosa Weber, divulgou a pauta da reunião extraordinária convocada para a tarde de sexta. Normalmente, o TSE reúne seu pleno em sessões que ocorrem nas terças e quintas. É algo absolutamente excepcional uma convocação para uma sexta-feira, dia em que os magistrados normalmente dedicam ao ócio e à contemplação de suas imagens nos espelhos, e se entregam à vaidade.
Nessa pauta divulgada, o caso de Lula da Silva não aparecia.
Na manhã de sexta-feira começaram a aparecer nas rádios e emissoras de televisão aberta os primeiros anúncios da campanha na televisão – esses com trinta segundos de duração, como um comercial normal – com a imagem de Lula. No fim de semana, apareceria o primeiro programa de quase três minutos para o horário eleitoral gratuito, apresentando Lula como candidato. Era necessário impedi-lo a qualquer custo. Por isso, e para surpresa geral, pouco depois do meio-dia de sexta foi divulgada uma nova pauta da sessão extraordinária: ademais do exame do registro de outros dois candidatos, aparecia o de Lula.
Ou seja: o relator do caso, Luís Roberto Barroso, conseguiu ler, durante a madrugada e manhã as quase 200 páginas apresentadas pela defesa do ex-presidente. Reiterando: entre a meia-noite e o meio-dia, foram examinados todos os argumentos que apareciam em quase 200 páginas. A menos, claro, que sua decisão já estivesse tomada antes dessa leitura, em uma claríssima manobra política.
Não é a primeira vez que acusações contra Lula da Silva são decididas em tempo olímpico, e tampouco o fato dos argumentos de sua defesa serem atropelados sem piedade – muitas vezes sem sequer serem examinados de forma minimamente responsável – é algo inédito. A sanha feroz contra o ex-presidente desconhece limites. De nada serviram as campanhas encabeçadas por juristas e personalidades de todo o mundo exigindo justiça para Lula. Tampouco o comunicado da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas foi acatado, apesar de que o Brasil é signatário do acordo que determina que as recomendações do órgão sejam acatadas. E pior que isso: nem mesmo as leis da Constituição brasileira foram respeitadas, com tal de proibir Lula.
A sordidez de todo esse procedimento era algo esperado. A manipulação, o atropelo e a arbitrariedade judicial deixaram de ser encobertos por um véu de disfarce para ostentar sua magnitude nas janelas da cumplicidade com o que existe de mais vil e perverso.
Quando se trata de Lula, a Justiça brasileira deixa de se curvar perante o império da lei e da Constituição para se ajoelha diante do reino da política mais imunda. Muito mais que impedir Lula de ser candidato, o que se trata de impedir no Brasil de hoje é a possibilidade de o eleitor escolher livremente quem pretende levar à Presidência de um país náufrago. A verdade é que, se deixarem lula ser candidato, ele massacraria todos os seus oponentes.
Mas também é verdade que muitas vozes poderosas e influentes defenderam a participação do ex-presidente no pleito de outubro, dizendo que se tratava inclusive de poder escolher não votar nele, e não porque seria impossível fazê-lo. Os advogados de Lula e a direção do Partido dos Trabalhadores (PT) anunciaram, no mesmo fim de noite de sexta, que pretendem recorrer em instâncias superiores. Sabendo, em todo caso, que o resultado será negativo, uma vez mais. No fim das contas, a média de integridade e de ética da maioria dos seus integrantes não passa da estatura de uma formiga sem pernas.
Com a desmoronamento da Justiça – nunca é demais reiterar que Lula foi condenado sem que aparecesse uma única e miserável prova contra si – prevalecerá, para a história, a verdadeira imagem de um país que vive a mercê das (muitas) manobras e um claríssimo Estado de exceção.
Um país dominado por uma corja que impõe perversos retrocessos em todos os campos da vida: o social, o econômico, o político. E, por cima de todos, um duríssimo retrocesso moral.
*Publicado originalmente no Página/12 | Tradução de Victor Farinelli
via:
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Manobra-anunciada/4/41617
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