A votação sobre a liberação do plantio do eucalipto transgênico acontece
nesta quinta-feira (9) na Coordenação-Geral da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio). Adiada em março por conta de
protestos das mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), a aprovação do eucalipto preocupa especialistas, que consideram a
modalidade um risco ao meio ambiente e a produtores.
Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo que já foi membro da CTNBio,
afirma que “em cinco anos o eucalipto geneticamente modificado retiraria
do solo o mesmo volume de água e nutrientes que o eucalipto tradicional
levaria sete anos para incorporar.Uma lavoura sedenta será substituída,
após cinco anos, por outra lavoura sedenta”.
Abaixo, confira a entrevista de Melgarejo à Agência Brasil de Fato, sobre o eucalipto transgênico e o papel da CTNBio na sociedade:
- Uma noção muito difundida na sociedade hoje é que, se não existissem as florestas de eucaliptos das grandes empresas, não teríamos papel no Brasil. Isso é verdade?
Há um enorme exagero nesta afirmativa. E a distorção é ainda maior quando alguns formadores de opinião insistem que não existiriam livros e que o sistema educacional resultaria prejudicado, caso houvesse redução na produção de pasta de celulose.
A esmagadora maioria do produto destas indústrias não se destina a fazer papel, e sim embalagens, como caixas que jogamos fora quase imediatamente, cujo uso é mais restrito do que o do papel higiênico.
Onde não há reciclagem estas caixas servem para pouca coisa além de principiar fogo ou engrossar o lixo. O que essas empresas produzem alimenta cadeias de desperdício.
- Quais são os impactos ambientais causados pelas plantações de eucalipto?
Elas geram desertos. Na forma em que são cultivadas para extração de celulose, constituem blocos enormes que são refratários a todas as formas de vida.
O sombreamento dificulta a proliferação de outras plantas e a escassez de alternativas de alimentos dificulta a sobrevivência de animais e insetos. A densidade de plantas provoca elevado volume de extração de água do subsolo.
A capa que cobre o solo retém a maior parte das águas da chuva, dificultando o reabastecimento dos lençóis freáticos.
- De que forma esses impactos aumentariam com a aprovação do eucalipto transgênico?
Segundo a empresa que detém as patentes, o eucalipto transgênico produz o mesmo volume de madeira que o não transgênico em menos tempo.
A rapidez de transformação de água, luz e nutrientes, em termos de eucalipto, seria aumentada em 30%.
Em outras palavras, em cinco anos o eucalipto GM (geneticamente modificado) retiraria do solo o mesmo volume de água e nutrientes que o eucalipto tradicional levaria sete anos para incorporar.
Evidentemente em situações de escassez de água o problema se agravaria. Os estudos mostram que na fase de crescimento as necessidades de água são maiores, estabilizando-se quando a árvore é adulta. Ora, estas florestas de eucaliptos são cortadas exatamente antes desta estabilização do consumo.
Uma lavoura sedenta será substituída, após cinco anos, por outra lavoura sedenta, que em cinco anos dará lugar a outra. As áreas com florestas de eucalipto serão bombas de sucção d’água, trabalhando em metabolismo acelerado até que acabe a água.
- O cultivo de eucalipto transgênico pode comprometer a produção de alimentos no país?
Sim. A expansão de lavouras de eucalipto sobre áreas ocupadas com outras atividades, em especial nas áreas destinadas à produção de alimentos, pode reduzir a oferta de produtos ao consumo humano.
Isto ocorreu com a expansão das lavouras de cana, de soja, de algodão, e tende a se repetir em todas as monoculturas de exportação. Agricultores familiares envolvidos com a produção de alimentos são deslocados de suas atividades, o que repercutirá em redução na oferta de leite, mandioca, etc.
Ao contrário do que se afirma, o fato de se poder cultivar um eucalipto que cresce mais rápido não reduzirá a área ocupada com esta cultura. Ocorrerá o oposto. Ao se tornar uma atividade mais atraente sob o ponto de vista de retorno do capital investido, a área cultivada com ao eucalipto transgênico deverá crescer comparativamente ao que ocorreria em sua ausência.
- Do ponto de vista do mercado, como falar que o eucalipto transgênico aumentará a produtividade, se apenas uma empresa detém as suas patentes?
Não haverá ganhos globais de produtividade. O clone mais produtivo, tendo um dono, só será utilizado por concessão desta empresa. A produtividade média não será alterada, a não ser que a empresa resolva permitir que seus concorrentes utilizem o mesmo material genético.
O dossiê da empresa afirma que a introdução de dois transgenes, um destinado a alterar a estrutura da celulose, alongando células, e outro que serve como marcador de seleção, teriam tornado o eucalipto mais produtivo.
É difícil aceitar esta afirmativa, porque os mesmos transgenes já haviam sido apresentados como modificadores da estrutura da madeira, sem impacto sobre a produtividade.
Aparentemente a empresa provocou a modificação inserindo aqueles transgenes sobre um clone mais produtivo, que por suas características próprias não dependeria da modificação para produzir maior volume de madeira em menor tempo.
Assim, a empresa poderia estar usando este fato (uma base mais produtiva) para forjar um discurso de que a transgenia aumenta a produtividade.
Um clone mais produtivo não dá direito de patente. Mas um eucalipto com um transgene patenteado por uma empresa confere a esta empresa direitos exclusivos sobre aquela planta.
Ganhos de produtividade são difíceis de obter, pois a produtividade é construída ao longo das relações que a planta estabelece com o ambiente, e depende de tantos fatores que não é possível aceitar o discurso desta empresa.
- A preocupação com a produção e exportação de mel orgânico é grande. De que forma os produtores serão afetados, caso o eucalipto transgênico seja aprovado?
O pólen transgênico estará presente no mel, no própolis, na geleia real e em todos os seus derivados. No mercado de orgânicos isto é considerado inaceitável. Simples traços de material GM implicam rejeição, exclusão de qualquer produto.
O Brasil perderá acesso aos mercados de produtos orgânicos. Uma pena, pois hoje somos o principal produtor mundial de própolis verde e temos possibilidades enormes de crescimento em outras linhas de produtos.
A apicultura se mostra uma excelente alternativa de renda para a agricultura familiar e este mercado está em franco crescimento. Tudo isso será perdido.
- Foram apresentados estudos que comprovam que o eucalipto transgênico é melhor economicamente e não causa danos ambientais à CTNBio? Se sim, que estudos foram esses?
Não. Os estudos são falhos, incompletos e insuficientes. Uma curiosidade ilustra a gravidade do tema. A CTNBio avalia os pedidos de liberação comercial com base em dossiês preparado pelas empresas.
O dossiê deve incluir laudos, pesquisas de laboratório, pareceres diversos e, principalmente, pesquisas de campo aprovadas pela CTNBio, onde serão levantados dados que garantirão a inexistência de danos para o ambiente, entre outras informações.
Não é surpreendente que a empresa tenha encaminhado seu pedido de liberação comercial antes de apresentar os resultados de boa parte dos estudos aprovados pela CTNBio para avaliação a campo do eucalipto transgênico? Alguns destes estudos ainda estão em andamento e seus resultados deixaram de ser necessários? Como isso é possível?
Faltam estudos sobre o consumo de água, os impactos em polinizadores, os danos ambientais e socioeconômicos a populações afetadas indiretamente pela expansão das lavouras de eucalipto.
Também é surpreendente a constatação de Paulo Kageyama [integrante da CTNBio e professor da Universidade de São Paulo contrário à liberação do eucalipto transgênico]: na avaliação de alguns membros da CTNBio, favoráveis ao pedido de liberação comercial do eucalipto GM, não foram incorporados nem considerados estudos adicionais aos apresentados pela própria empresa.
- Por que a comissão aprova patentes transgênicas de forma rápida e sem estudos aprofundados? Que impactos os transgênicos causam para produtores e consumidores?
A discussão sobre transgênicos, em geral, é bem mais ampla do que sugere o caso do eucalipto. As lavouras de milho transgênico, que carregam proteínas inseticidas e são veículos para transporte de resíduos de herbicidas mereceriam avaliação detalhada.
Estas lavouras estão ampliando o volume de venenos aplicados no meio rural, com impacto sobre o solo, a água e as populações ali residentes. Mas não apenas isso. Os produtos destas lavouras são veículos que unem a aplicação de venenos à mesa dos brasileiros.
O cuscuz, o milho verde, a polenta, o pão estão levando resíduos de venenos até o prato de cada um de nós. O veneno na comida já é um impacto, e podemos esperar que haja impactos maiores.
Não sabemos o tamanho do problema. Sabemos apenas que não é possível afirmar, com seriedade, que os transgênicos e seus pacotes tecnológicos não fazem mal para a saúde. E podemos suspeitar que façam.
Não existem estudos epidemiológicos comparando populações que comem transgênicos com populações livres de transgênicos. Se houvesse empenho, seria fácil avaliar populações de ratos, porcos, galinhas, comendo rações com e sem transgênicos.
Mas há um bloqueio que dificulta a realização destas análises. O único estudo de longo prazo realizado com este tipo de protocolo mostrou que ratos alimentados com o milho NK603, da Monsanto, começam a apresentar alterações cancerígenas após os 100-120 dias de consumo.
Vários estudos independentes, publicados em revistas cientificas especializadas, associam os pacotes tecnológicos das lavouras transgênicas e seus herbicidas ao aumento de câncer, a problemas neurológicos, a alterações na taxa de fertilidade e a alterações hormonais de diversos tipos.
E os impactos vão além disso. Não se trata apenas de uma questão de saúde pública. As implicações alcançam o tema da soberania nacional. Precisamos de sementes para plantar as safras de soja e milho, sementes que pertencem a meia dúzia de empresas. Se elas assim decidirem, podem ameaçar o país com desabastecimento.
- Ao aprovar transgênicos dessa forma, os representantes da CTNBio seguem uma lógica do mercado ao invés do interesse da sociedade. Por que isso ocorre?
É difícil interpretar as razões que levam os membros da maioria, na CTNBio, a atribuir tamanha confiança aos escassos argumentos apresentados pelas empresas e, ao mesmo tempo, negar atenção a estudos reunidos na literatura independente, que contrariam as campanhas de marketing.
Existem membros ativos da comissão incondicionalmente a favor dos transgênicos, e uma maioria silenciosa que acompanha esses “líderes”, por confiança em suas posições e, em função disso, negando argumentos opostos.
Assim, quando membros que examinam um processo e argumentam que os estudos ali contidos são insuficientes, incompletos, falhos ou mesmo errados, a maioria – que não leu o processo – ignora aquelas afirmativas, dando preferência à fala de outro parecerista que, tendo lido o processo, se diz satisfeito com os argumentos ali contidos.
Não há confronto de argumentos. Não há choque de opiniões com prevalência de documentos e emergência de conscientização coletiva. Há um movimento de bloco, com resultados previsíveis, condicionado pela seleção dos membros da CTNBio.
- Por que não há maior participação da sociedade nas reuniões da comissão?
As reuniões são realizadas em Brasilia, em salas pequenas. As plenárias, embora abertas ao público, implicam em custos de deslocamento e estadia que se fazem proibitivos para representações da sociedade civil.
Assim, apenas representantes das empresas monitoram o que se passa naquele ambiente, estimulando movimentos no interesse de seus objetivos.
Isto poderia ser mais equilibrado, utilizando mecanismo simples. Bastaria veicular ao vivo os debates da CTNBio, utilizando um canal aberto como a TV Senado, ou mesmo o Youtube. Não existem impedimentos técnicos para isso.
E, com transmissão ao vivo, os membros seriam mais cautelosos em relação aos argumentos que apresentam e aos desdobramentos de suas decisões.
- Por que a decisão de aprovar transgênicos só cabe à CTNBio?
O caráter das decisões ali tomadas não deveria ser definitivo. A CTNBio deveria ser uma instância consultiva, subordinada à avaliação final de profissionais da área de riscos para a saúde, como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para o meio-ambiente, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente. Considerando ainda questões agronômicas, com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e os riscos socioeconômicos, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Não é aceitável que as decisões resultem de votos de membros que, na maioria das vezes, sequer leram os processos em avaliação e que não terão responsabilidades sobre as consequências de suas decisões.
O Brasil tem instâncias profissionais que devem estar acima dos pareceres da CTNBio, e não submetidas a eles.
- A votação do eucalipto foi adiada em março por conta de mobilizações das mulheres do MST. Para que a CTNBio considere os interesses da sociedade, será preciso sempre pressionar e fiscalizar seu trabalho?
A sociedade tem o dever de pressionar e fiscalizar o trabalho de todas as agências do governo e a democracia só crescerá com isso.
Sem isso, os membros da CTNBio podem se sentir à vontade para decidir sobre a autorização de plantio de uma variedade transgênica sem levar em conta a planta modificada e suas conexões com o ambiente, avaliando apenas algum gene que tenha sido inserido e alguma proteína a ele associada.
A CTNBio, com certeza, se inclui entre as áreas críticas no que diz respeito a questões de biorrisco. As decisões ali tomadas têm implicações importantes para a saúde, o ambiente e não podem passar despercebidas, criando, no interesse de poucos, fatos consumados que afetarão a todos.
Felizmente, as mulheres camponesas, principais responsáveis pela Politica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, chamaram atenção para esta questão do eucalipto, que também se estende ao milho, a soja, ao feijão, ao sorgo, à laranja, alface e a tantos outros produtos em fase de modificação transgênica.
Espero que seu exemplo seja seguido pelo Ministério Público Federal e por comissões de ética das categorias profissionais representadas dentro da CTNBio. Espero que a sociedade aproveite o momento para debater a forma de atuação da CTNBio e suas implicações para o Brasil.
Fuente: Brasil de Fato
vía:
http://www.biodiversidadla.org/Principal/Secciones/Noticias/Brasil_Eucalipto_transgenico_vai_sugar_agua_ate_que_ela_acabe
Abaixo, confira a entrevista de Melgarejo à Agência Brasil de Fato, sobre o eucalipto transgênico e o papel da CTNBio na sociedade:
- Uma noção muito difundida na sociedade hoje é que, se não existissem as florestas de eucaliptos das grandes empresas, não teríamos papel no Brasil. Isso é verdade?
Há um enorme exagero nesta afirmativa. E a distorção é ainda maior quando alguns formadores de opinião insistem que não existiriam livros e que o sistema educacional resultaria prejudicado, caso houvesse redução na produção de pasta de celulose.
A esmagadora maioria do produto destas indústrias não se destina a fazer papel, e sim embalagens, como caixas que jogamos fora quase imediatamente, cujo uso é mais restrito do que o do papel higiênico.
Onde não há reciclagem estas caixas servem para pouca coisa além de principiar fogo ou engrossar o lixo. O que essas empresas produzem alimenta cadeias de desperdício.
- Quais são os impactos ambientais causados pelas plantações de eucalipto?
Elas geram desertos. Na forma em que são cultivadas para extração de celulose, constituem blocos enormes que são refratários a todas as formas de vida.
O sombreamento dificulta a proliferação de outras plantas e a escassez de alternativas de alimentos dificulta a sobrevivência de animais e insetos. A densidade de plantas provoca elevado volume de extração de água do subsolo.
A capa que cobre o solo retém a maior parte das águas da chuva, dificultando o reabastecimento dos lençóis freáticos.
- De que forma esses impactos aumentariam com a aprovação do eucalipto transgênico?
Segundo a empresa que detém as patentes, o eucalipto transgênico produz o mesmo volume de madeira que o não transgênico em menos tempo.
A rapidez de transformação de água, luz e nutrientes, em termos de eucalipto, seria aumentada em 30%.
Em outras palavras, em cinco anos o eucalipto GM (geneticamente modificado) retiraria do solo o mesmo volume de água e nutrientes que o eucalipto tradicional levaria sete anos para incorporar.
Evidentemente em situações de escassez de água o problema se agravaria. Os estudos mostram que na fase de crescimento as necessidades de água são maiores, estabilizando-se quando a árvore é adulta. Ora, estas florestas de eucaliptos são cortadas exatamente antes desta estabilização do consumo.
Uma lavoura sedenta será substituída, após cinco anos, por outra lavoura sedenta, que em cinco anos dará lugar a outra. As áreas com florestas de eucalipto serão bombas de sucção d’água, trabalhando em metabolismo acelerado até que acabe a água.
- O cultivo de eucalipto transgênico pode comprometer a produção de alimentos no país?
Sim. A expansão de lavouras de eucalipto sobre áreas ocupadas com outras atividades, em especial nas áreas destinadas à produção de alimentos, pode reduzir a oferta de produtos ao consumo humano.
Isto ocorreu com a expansão das lavouras de cana, de soja, de algodão, e tende a se repetir em todas as monoculturas de exportação. Agricultores familiares envolvidos com a produção de alimentos são deslocados de suas atividades, o que repercutirá em redução na oferta de leite, mandioca, etc.
Ao contrário do que se afirma, o fato de se poder cultivar um eucalipto que cresce mais rápido não reduzirá a área ocupada com esta cultura. Ocorrerá o oposto. Ao se tornar uma atividade mais atraente sob o ponto de vista de retorno do capital investido, a área cultivada com ao eucalipto transgênico deverá crescer comparativamente ao que ocorreria em sua ausência.
- Do ponto de vista do mercado, como falar que o eucalipto transgênico aumentará a produtividade, se apenas uma empresa detém as suas patentes?
Não haverá ganhos globais de produtividade. O clone mais produtivo, tendo um dono, só será utilizado por concessão desta empresa. A produtividade média não será alterada, a não ser que a empresa resolva permitir que seus concorrentes utilizem o mesmo material genético.
O dossiê da empresa afirma que a introdução de dois transgenes, um destinado a alterar a estrutura da celulose, alongando células, e outro que serve como marcador de seleção, teriam tornado o eucalipto mais produtivo.
É difícil aceitar esta afirmativa, porque os mesmos transgenes já haviam sido apresentados como modificadores da estrutura da madeira, sem impacto sobre a produtividade.
Aparentemente a empresa provocou a modificação inserindo aqueles transgenes sobre um clone mais produtivo, que por suas características próprias não dependeria da modificação para produzir maior volume de madeira em menor tempo.
Assim, a empresa poderia estar usando este fato (uma base mais produtiva) para forjar um discurso de que a transgenia aumenta a produtividade.
Um clone mais produtivo não dá direito de patente. Mas um eucalipto com um transgene patenteado por uma empresa confere a esta empresa direitos exclusivos sobre aquela planta.
Ganhos de produtividade são difíceis de obter, pois a produtividade é construída ao longo das relações que a planta estabelece com o ambiente, e depende de tantos fatores que não é possível aceitar o discurso desta empresa.
- A preocupação com a produção e exportação de mel orgânico é grande. De que forma os produtores serão afetados, caso o eucalipto transgênico seja aprovado?
O pólen transgênico estará presente no mel, no própolis, na geleia real e em todos os seus derivados. No mercado de orgânicos isto é considerado inaceitável. Simples traços de material GM implicam rejeição, exclusão de qualquer produto.
O Brasil perderá acesso aos mercados de produtos orgânicos. Uma pena, pois hoje somos o principal produtor mundial de própolis verde e temos possibilidades enormes de crescimento em outras linhas de produtos.
A apicultura se mostra uma excelente alternativa de renda para a agricultura familiar e este mercado está em franco crescimento. Tudo isso será perdido.
- Foram apresentados estudos que comprovam que o eucalipto transgênico é melhor economicamente e não causa danos ambientais à CTNBio? Se sim, que estudos foram esses?
Não. Os estudos são falhos, incompletos e insuficientes. Uma curiosidade ilustra a gravidade do tema. A CTNBio avalia os pedidos de liberação comercial com base em dossiês preparado pelas empresas.
O dossiê deve incluir laudos, pesquisas de laboratório, pareceres diversos e, principalmente, pesquisas de campo aprovadas pela CTNBio, onde serão levantados dados que garantirão a inexistência de danos para o ambiente, entre outras informações.
Não é surpreendente que a empresa tenha encaminhado seu pedido de liberação comercial antes de apresentar os resultados de boa parte dos estudos aprovados pela CTNBio para avaliação a campo do eucalipto transgênico? Alguns destes estudos ainda estão em andamento e seus resultados deixaram de ser necessários? Como isso é possível?
Faltam estudos sobre o consumo de água, os impactos em polinizadores, os danos ambientais e socioeconômicos a populações afetadas indiretamente pela expansão das lavouras de eucalipto.
Também é surpreendente a constatação de Paulo Kageyama [integrante da CTNBio e professor da Universidade de São Paulo contrário à liberação do eucalipto transgênico]: na avaliação de alguns membros da CTNBio, favoráveis ao pedido de liberação comercial do eucalipto GM, não foram incorporados nem considerados estudos adicionais aos apresentados pela própria empresa.
- Por que a comissão aprova patentes transgênicas de forma rápida e sem estudos aprofundados? Que impactos os transgênicos causam para produtores e consumidores?
A discussão sobre transgênicos, em geral, é bem mais ampla do que sugere o caso do eucalipto. As lavouras de milho transgênico, que carregam proteínas inseticidas e são veículos para transporte de resíduos de herbicidas mereceriam avaliação detalhada.
Estas lavouras estão ampliando o volume de venenos aplicados no meio rural, com impacto sobre o solo, a água e as populações ali residentes. Mas não apenas isso. Os produtos destas lavouras são veículos que unem a aplicação de venenos à mesa dos brasileiros.
O cuscuz, o milho verde, a polenta, o pão estão levando resíduos de venenos até o prato de cada um de nós. O veneno na comida já é um impacto, e podemos esperar que haja impactos maiores.
Não sabemos o tamanho do problema. Sabemos apenas que não é possível afirmar, com seriedade, que os transgênicos e seus pacotes tecnológicos não fazem mal para a saúde. E podemos suspeitar que façam.
Não existem estudos epidemiológicos comparando populações que comem transgênicos com populações livres de transgênicos. Se houvesse empenho, seria fácil avaliar populações de ratos, porcos, galinhas, comendo rações com e sem transgênicos.
Mas há um bloqueio que dificulta a realização destas análises. O único estudo de longo prazo realizado com este tipo de protocolo mostrou que ratos alimentados com o milho NK603, da Monsanto, começam a apresentar alterações cancerígenas após os 100-120 dias de consumo.
Vários estudos independentes, publicados em revistas cientificas especializadas, associam os pacotes tecnológicos das lavouras transgênicas e seus herbicidas ao aumento de câncer, a problemas neurológicos, a alterações na taxa de fertilidade e a alterações hormonais de diversos tipos.
E os impactos vão além disso. Não se trata apenas de uma questão de saúde pública. As implicações alcançam o tema da soberania nacional. Precisamos de sementes para plantar as safras de soja e milho, sementes que pertencem a meia dúzia de empresas. Se elas assim decidirem, podem ameaçar o país com desabastecimento.
- Ao aprovar transgênicos dessa forma, os representantes da CTNBio seguem uma lógica do mercado ao invés do interesse da sociedade. Por que isso ocorre?
É difícil interpretar as razões que levam os membros da maioria, na CTNBio, a atribuir tamanha confiança aos escassos argumentos apresentados pelas empresas e, ao mesmo tempo, negar atenção a estudos reunidos na literatura independente, que contrariam as campanhas de marketing.
Existem membros ativos da comissão incondicionalmente a favor dos transgênicos, e uma maioria silenciosa que acompanha esses “líderes”, por confiança em suas posições e, em função disso, negando argumentos opostos.
Assim, quando membros que examinam um processo e argumentam que os estudos ali contidos são insuficientes, incompletos, falhos ou mesmo errados, a maioria – que não leu o processo – ignora aquelas afirmativas, dando preferência à fala de outro parecerista que, tendo lido o processo, se diz satisfeito com os argumentos ali contidos.
Não há confronto de argumentos. Não há choque de opiniões com prevalência de documentos e emergência de conscientização coletiva. Há um movimento de bloco, com resultados previsíveis, condicionado pela seleção dos membros da CTNBio.
- Por que não há maior participação da sociedade nas reuniões da comissão?
As reuniões são realizadas em Brasilia, em salas pequenas. As plenárias, embora abertas ao público, implicam em custos de deslocamento e estadia que se fazem proibitivos para representações da sociedade civil.
Assim, apenas representantes das empresas monitoram o que se passa naquele ambiente, estimulando movimentos no interesse de seus objetivos.
Isto poderia ser mais equilibrado, utilizando mecanismo simples. Bastaria veicular ao vivo os debates da CTNBio, utilizando um canal aberto como a TV Senado, ou mesmo o Youtube. Não existem impedimentos técnicos para isso.
E, com transmissão ao vivo, os membros seriam mais cautelosos em relação aos argumentos que apresentam e aos desdobramentos de suas decisões.
- Por que a decisão de aprovar transgênicos só cabe à CTNBio?
O caráter das decisões ali tomadas não deveria ser definitivo. A CTNBio deveria ser uma instância consultiva, subordinada à avaliação final de profissionais da área de riscos para a saúde, como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para o meio-ambiente, com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Ministério do Meio Ambiente. Considerando ainda questões agronômicas, com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e os riscos socioeconômicos, com o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Não é aceitável que as decisões resultem de votos de membros que, na maioria das vezes, sequer leram os processos em avaliação e que não terão responsabilidades sobre as consequências de suas decisões.
O Brasil tem instâncias profissionais que devem estar acima dos pareceres da CTNBio, e não submetidas a eles.
- A votação do eucalipto foi adiada em março por conta de mobilizações das mulheres do MST. Para que a CTNBio considere os interesses da sociedade, será preciso sempre pressionar e fiscalizar seu trabalho?
A sociedade tem o dever de pressionar e fiscalizar o trabalho de todas as agências do governo e a democracia só crescerá com isso.
Sem isso, os membros da CTNBio podem se sentir à vontade para decidir sobre a autorização de plantio de uma variedade transgênica sem levar em conta a planta modificada e suas conexões com o ambiente, avaliando apenas algum gene que tenha sido inserido e alguma proteína a ele associada.
A CTNBio, com certeza, se inclui entre as áreas críticas no que diz respeito a questões de biorrisco. As decisões ali tomadas têm implicações importantes para a saúde, o ambiente e não podem passar despercebidas, criando, no interesse de poucos, fatos consumados que afetarão a todos.
Felizmente, as mulheres camponesas, principais responsáveis pela Politica Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, chamaram atenção para esta questão do eucalipto, que também se estende ao milho, a soja, ao feijão, ao sorgo, à laranja, alface e a tantos outros produtos em fase de modificação transgênica.
Espero que seu exemplo seja seguido pelo Ministério Público Federal e por comissões de ética das categorias profissionais representadas dentro da CTNBio. Espero que a sociedade aproveite o momento para debater a forma de atuação da CTNBio e suas implicações para o Brasil.
Fuente: Brasil de Fato
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