"Por que o REDD favorece a expulsão dos pequenos agricultores? É preciso
entender que estamos falando de propriedades de vários milhares de
hectares cujos "proprietários" apenas conhecem uma pequena parte, e que,
em algumas, existem ocupações de pequenos agricultores que ali vivem há
muitos anos."
20.10.2014
Devido aos diversos movimentos engajados por causa das agressões cometidas contra o CIMI AO relatadas aqui [1], uma ação de peso acaba de ser decidida para pressionar o governo do Estado do Acre e, conjuntamente, o governo federal do Brasil. Com efeito, o World Rainforest Movement [2] tomou a iniciativa de uma ação direta junto ao governo alemão, para alavancar essa pressão internacional. Na carta aberta [3], os 50 signatários, distribuídos em 19 países, pedem uma intervenção junto ao governo do Acre e da Ministra encarregada da Secretaria dos Direitos Humanos na Presidência da República a fim de tomar as medidas cabíveis para garantir a segurança das pessoas do CIMI e das populações indígenas e levar a cabo as investigações necessárias.
Por Lucas Matheron*, Agora Vox
Mas por que justo a Alemanha? É porque o banco alemão KfW financia, no âmbito de um programa de proteção das florestas tropicais, um projeto-piloto no Estado do Acre [4] por um montante de 15 milhões de euros. Esse projeto faz parte de um programa específico do governo alemão, o REDD+ Early Movers [5] que visa "recompensar os pioneiros na conservação das florestas" no âmbito do programa das Nações Unidas para a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação das florestas, o REDD [6] (Além da versão "Wiki" em inglês, tem mais informações sobre o REDD aqui [7] ou aqui [8]).
Enfim, o que traz o REDD? Dinheiro! E no contexto fundiário no Brasil, ele muda também o quadro por diversos motivos. Cito aqui dois dos mais importantes no âmbito desse artigo.
- Primeiro ele favorece os latifúndios; de fato, se anteriormente os grandes fazendeiros podiam possuir imensidões de terras sem cultivos e financeiramente improdutivas, as mesmas terras se tornam fonte de renda.
- Em segundo lugar, ele favorece a expulsão de pequenos agricultores, trava o processo de reforma agrária e vai contra os direitos fundamentais inseridos na Constituição federal, ou seja, no fim vai alimentar os conflitos.
Nas entrelinhas, encontramos também elementos de resposta sobre os recentes acontecimentos relatados aqui [9]. Recusando-se a sair das reservas em processo de demarcação, os fazendeiros ganham tempo na espera de um maior valor para as terras que ocupam, ou mesmo na esperança de afugentar os índios dali. Resumindo, mais ainda se acrescentam as desigualdades sociais, se institucionalizam as injustiças, se reforça o poder dos poderosos.
Sem alargar demais meus comentários, é preciso esclarecer dois pontos:
- Por que o REDD favorece a expulsão dos pequenos agricultores? É preciso entender que estamos falando de propriedades de vários milhares de hectares cujos "proprietários" [10] apenas conhecem uma pequena parte, e que, em algumas, existem ocupações de pequenos agricultores que ali vivem há muitos anos. Não sendo uma ameaça para a integridade financeira do fazendeiro para o qual estes podem até vender pontualmente sua força de trabalho, eles são tolerados e acabam se tornando como seus "guardiões", apesar de estarem numa condição de servos. Nesse contexto de latifúndios, e não somente na Amazônia, observam-se casos em que os trabalhadores vivem reais condições de escravidão [11] [12]. O problema é que com o REDD, o tipo de agricultura familiar praticada por esses pequenos agricultores não é mais permitida, já que a palavra de ordem é "não se toca mais em nada". Desta forma, eles apenas têm uma escolha: sair... ou morrer.
E é o que acontece, justamente nessa região da qual fala Lindomar Padilha, região onde há conflitos com as populações ameríndias. É o que explica esse artigo [13] de dezembro de 2013, já citado num artigo anterior [14] sobre a financeirização da natureza. O projeto Purus [15], comentado nesse artigo, cobre uma superfície de 34.700 hectares, junto com as populações que ali vivem. Ele foi desenvolvido pela CarbonCo, LLC, com sede em Bethesda [16], no Maryland nos Estados Unidos, para um antigo prefeito local, portanto um político, e fazendeiro, proprietário de um vasto seringal.
- o segundo ponto é a reforma agrária, que não se faz, tornando-se um câncer na sociedade brasileira contemporânea. A Constituição federal condiciona a propriedade privada à garantia da sua função socioambiental, ou seja, seu uso racional e adaptado aos recursos naturais e ao meio ambiente, bem como uma exploração que vise tanto o bem estar do dono como dos trabalhadores. Não sendo respeitadas essas condições, a propriedade é passível de desapropriação a fins de reforma agrária; um dos motivos de desapropriação sendo, claro, a terra improdutiva. Ora, com o REDD é mágico! O que era improdutivo ontem passa a produzir hoje... E vai aí mais um empecilho no caminho da reforma agrária que arrasta seus milhares de sem-terra nas estradas do país, aguardando processos de desapropriação que, às vezes, duram anos!
Este foi um pequeno olhar sobre a parte submersa do iceberg e sobre o que motiva tantos conflitos naquela pequena região da Amazônia. Mas é preciso saber que esse projeto do Acre é um projeto-piloto que tem como ambição de ser estendido a todo o território brasileiro. Se cruzarmos isso com a reforma do Código florestal, que as manobras ruralistas conseguiram aprovar no Congresso em 2012, temos um conjunto de mecanismos que favorecem a velha oligarquia da terra e a consolida. Ao povo brasileiro resta, e cabe, de fazer valer seus direitos, ou não, e é nesse contexto que evoluem idealistas como Lindomar Padilha que nos esforçamos de apoiar na sua luta.
Notas
[1] Aqui
[2] Aqui
[3] Em inglês: aqui ou em português: aqui (pdf)
[4] Em 2012, o programa realizou sua primeira transação de compensação e de redução de emissões evitando o desmatamento criado pelo Estado do Acre, no Brasil. O programa prevê apoiar programas complementares de REDD em 2013/2014, aqui
[5] Somente em inglês: aquí (pdf)
[6] Aqui
[7] Aqui
[8] Aqui
[9] Aqui
[10] Lei de Terras 1850: Lei que "modernizou" o acesso à terra em meados do século XIX, institucionalizando a compra como único acesso à propriedade privada. Foi o início das desigualdades quanto ao direito à terra. Aqui
[11] Goiás: aqui
[12] No Distrito Federal: aqui
[13] Projetos de carbono no Acre ameaçam o direito à terra. Reporter Brasil 19/12/2013, aqui
[14] Aqui
[15] Aqui (pdf)
[16] Aqui
Publicado originalmente em francês em Agora Vox
* Lucas Matheron, é ecologista, francês de origem, radicado no Brasil há 30 anos, tradutor independente nos idiomas francês e português. Membro da Aliança RECOS (Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras) desde 1999, da qual é coordenador de comunicação para os países francófonos. www.lucas-traduction.trd.br
vía:
http://www.biodiversidadla.org/Principal/Secciones/Documentos/Os_pontos_nos_i_na_Amazonia
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